Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 15.434/2020 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DIREITO AMBIENTAL. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. FEDERALISMO ECOLÓGICO. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA EDITAR NORMAS GERAIS SOBRE MEIO AMBIENTE. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO. INSTITUIÇÃO DE NOVOS MODELOS SIMPLIFICADOS DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE RESTRIÇÃO A EMPREENDIMENTOS DE PEQUENO POTENCIAL DEGRADADOR DO MEIO AMBIENTE. CONTRATAÇÃO DE PESSOAS FÍSICAS OU JURÍDICAS PARA EXECUÇÃO DE ATIVIDADES DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL. IMPOSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA. IMPEDIMENTO DE POSTERGAÇÃO DAS DECISÕES SOBRE REASSENTAMENTO DE POPULAÇÕES NOS CASOS DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL. PROTEÇÃO INSUFICIENTE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIO DA DIGNIDIDADE DA PESSOA HUMANA. POSSIBILIDADE DE O LEGISLADOR ORDINÁRIO DIMENSIONAR O CONCEITO DE CULPA, PREVISTO NO ART. 37, §6°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADIS 6.42, 6422, 6424, 6427, 6528 E 6431/DF. PROIBIÇÃO DE DISPENSA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL PARA SILVICULTURA, AINDA QUE ESTABELECIDOS OUTROS CRITÉRIOS, COMO O TAMANHO DO TERRITÓRIO. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA EM PARTE. I. Caso em exame 1. Ação direta de inconstitucionalidade dos arts. 54, IV, V e VI, e §§ 1º, 3º, 4º, 8º e 9º; 57; 64; 220, caput e § 1º, e 224 da Lei n. 15.434, de 9/1/2020, do Estado do Rio Grande do Sul, que instituiu o Código Estadual do Meio Ambiente; e, por arrastamento, a redação original do art. 14, § 1º, I, da Lei n. 14.961, de 13/12/2016, da mesma unidade federada, que dispõe sobre a política agrícola estadual para florestas plantadas. II. Questão em discussão 2. Alegação de inconstitucionalidade de normativos da Lei Estadual n. 15.434/2020 e da Lei n. 14.861/2016 que determinaram: (i) a instituição de novos tipos de licenciamento ambiental; (ii) a contratação de pessoas físicas ou jurídicas capacitadas para as atividades de licenciamento ambiental, com a finalidade de auxiliar os órgãos ambientais com conhecimento técnico ou para dar vazão ao alto volume de demanda atípico; (iii) a dispensa do licenciamento para atividades de silvicultura que tenham alto potencial poluidor, mas porte mínimo de território; (iv) a alteração do momento das decisões em relação ao reassentamento de populações provocado pelo licenciamento ambiental; e (v) a responsabilidade civil de agentes públicos no caso de erro grosseiro ou dolo. III. Razões de decidir 3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem entendimento consolidado no sentido de que, embora seja legítima a criação de novos tipos de licenciamento ambiental, a simplificação de procedimentos para a sua concessão apenas é possível em casos de obras ou empreendimentos de pequeno potencial degradador, nos termos do art. 12, § 1° da Resolução CONAMA 237/1997, critério não cumprido pela Licença Única (LU) e a Licença Ambiental por Compromisso (LAC), estabelecidas, respectivamente, nos arts. 54, IV e VI, da Lei 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul. 4. A Licença de Operação e Regularização (LOR), prevista no art. 54, V, da da Lei 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul, está em colisão com o art. 225 da Constituição Federal, pois simplifica o procedimento para concessão de licenciamento ambiental para procedimentos que estão irregulares. 5. O Supremo Tribunal Federal assenta que a descentralização do poder de polícia apenas é admitida especificamente às pessoas de direito privado prestadoras de serviço público, em regime não concorrencial, sem finalidades lucrativas. O art. 57 da Lei n. 15.434/2020, ao estabelecer de forma genérica a contratação de pessoas jurídicas ou físicas, sem sequer discriminar se privadas ou públicas, ou quais atividades seriam realizadas pelos contratados, abre margem para que terceiros, que não servidores públicos, realizem atos que envolvam o exercício de funções tipicamente públicas. Não se admite que o Poder Público estabeleça normas cuja consequência oportunize a concretização de violações à proteção e conservação dos biomas brasileiros. Outrossim, não há impedimento para a realização de convênios ou parcerias, na medida em que a própria LC n. 140/2011, no art. 4°, previu uma série de instrumentos de cooperações entre órgãos públicos. 6. O processo decisório ambiental do licenciamento é de alta complexidade e envolve também questões sociais, políticas e econômicas. O deslocamento de famílias interfere em profundas questões humanas, como identidade, memória e histórias, e em significativos direitos sociais, como os de moradia, de trabalho, de saúde, entre outros. Dessa forma, relegar o devido planejamento e, sobretudo, as decisões da realocação de pessoas apenas para a fase da Licença de Operação, significa proteger de forma deficiente os direitos fundamentais. 7. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das 6.421, 6.422, 6.424, 6.425, 6.427, 6.428 e 6.431/DF, todas da relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, fixou a seguinte tese: “Compete ao legislador ordinário dimensionar o conceito de culpa previsto no art. 37, § 6º, da CF, respeitado o princípio da proporcionalidade, em especial na sua vertente de vedação à proteção insuficiente. 2. Estão abrangidas pela ideia de erro grosseiro as noções de imprudência, negligência e imperícia, quando efetivamente graves”. Constitucional, portanto, o art. 220, caput e § 1°, da Lei 15.434/2020. 8. A dispensa do licenciamento ambiental às atividades de silvicultura pelo legislador estadual, ainda que mediante a realização de cadastro ambiental, contraria as regras estabelecidas na legislação nacional sobre o instituto, o que ofende as regras de competência previstas na Constituição da República. IV. Dispositivo 9. Nesse sentido, voto no seguinte sentido: A) No que se refere ao art. 54, IV, V e VI, e §§ 1°, 3°, 4°, 8° e 9°, da Lei n. 15.434/2020: (i) Confiro interpretação conforme à Constituição Federal ao art. 54, IV e VI, da Lei n. 15.434/2020, para que as licenças instituídas — Licença Única e Licença Ambiental por Compromisso — apenas sejam aplicadas em atividades e empreendimentos de pequeno potencial degradador, nos termos das legislações infraconstitucionais, permanecendo válido, apenas neste caso, o disposto nos §§ 1°, 8° e 9° do mesmo artigo. (ii) Julgo procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 54, V, da Lei n. 15.434/2020, do Estado do Rio Grande do Sul, o qual institui a Licença de Operação e Regularização (LOR). (iii) Julgo improcedente o pedido para declarar a constitucionalidade do § 3° do art. 54 da Lei n. 15.434/2020, do Estado do Rio Grande do Sul. (iv) Julgo procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do § 4° do art. 54 da Lei n. 15.434/2020, do Estado do Rio Grande do Sul. B) Julgo procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 57, 64 e 224 da Lei 15.434/2020 e o art. 14, § 1°da Lei14.961/2016. C) Julgo improcedente o pedido para declarar a constitucionalidade do art. 220, caput e § 1°, da Lei 15.434/2020. _________ Jurisprudência relevante citada: MS 22.164/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17/11/1995; ADI 6.148/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 15/9/2022; ADI 5.312/TO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 11/2/2019; ADI 3.035/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 14/10/2005; RE 194.704/MG, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 3/9/2018; ADI 3.937/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Redator para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe 1º/2/2019; ADI 5.996/AM, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 30/4/2020; ADI 4.757/DF, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 17/3/2023; ADI 4.615/CE, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe 16/9/2021; ADI 6.650/SC, Rel. Min. Cámen Lúcia, DJe 5/5/2021; ADI 1.717/DF, Rel. Min. Sydney Sanches; ADI 5.592/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, redator para o acórdão Min. Edson Fachin, DJe 10/3/2020; ADI 6.421/DF, Rel. Min. Luís Roberto Barroso.
(ADI 6618, Relator(a): CRISTIANO ZANIN, Tribunal Pleno, julgado em 07-04-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 08-05-2025 PUBLIC 09-05-2025)