O COMITÊ GESTOR DO IMPOSTO SOBRE BENS E SERVIÇOS E A ESTRUTURA FEDERAL DO ESTADO BRASILEIRO: OS PERCALÇOS DA ENUNCIAÇÃO E A LEGITIMIDADE DO DIREITO (LEGE FERENDA, O PROJETO DE LEI Nº 108, DE 2024), POR GABRIEL IVO.
A reforma tributária instituiu um órgão de extrema importância que terá a função primordial de gerir o Imposto Sobre Bens e Serviços: o Comitê Gestor (criado para a gestão fiscal unificada, que abrange os Estados-membros e os Municípios). Suas competências são amplas e decisivas para a boa compreensão e aplicação do novo tributo não vinculado.3 As presentes anotações têm o escopo de analisar alguns pontos do projeto de lei complementar, previsto na Constituição, em tramitação no Congresso Nacional. O estudo não deixa de ser uma tarefa de predição, porquanto não se pode afirmar, nem mesmo prever, qual será a redação final do projeto a tornar-se lei. Antes da publicação não há documento normativo, nem se têm, ainda, enunciados prescritivos para que se possa, a partir deles, construir as normas jurídicas.
O processo legislativo é sempre complexo, já que os interesses, muitas vezes antagônicos, devem tender para uma racionalidade linguística,4 pois sem ela seria impossível a comunicação. A produção do enunciado prescritivo estabiliza, de alguma maneira, as pelejas da enunciação (o processo legislativo), dando continuidade à vida. Conforme anota Tárek Moysés Moussallem, “com a publicação do documento normativo é que terá início a empreitada dogmático-científica para identificar a atividade de produção jurídica.”,5ou seja, para reconstituí-la.
A ausência de textos impede a construção de normas, sejam elas constitucionais, legais ou quaisquer outras. Textos esses positivados democraticamente, com respeito às regras postas antecipadamente. Conforme lição de Norberto Bobbio, “(…) quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos”,6 regras que recebem, conforme a sua procedimentalização, os impulsos políticos inevitáveis na produção do Direito na enunciação.
Sem democracia não há Direito, nem direitos. O procedimento democrático, juridicamente organizado, legitima o Direito na sua tarefa de regulação da conduta humana. Assim, embora a reforma tributária traga complexidade para o jogo narrativo dos sentidos,7 a atitude, agora, ante a realidade, não deve ser de perplexidade. O desafio é entendê-la para, assim, construir-se os sentidos que dela emergem.8Tudo que se desenrola no mundo da vida, durante a enunciação,9no que tange ao processo legislativo, é relevante para a construção do sentido do produto, o instrumento normativo.
Gabriel Ivo é Professor da Universidade Federal de Alagoas