Processo nº: 1013514-12.2024.8.26.0309
Classe – Assunto Mandado de Segurança Cível – Suspensão da Exigibilidade
Impetrante: Sucalog Comércio e Reciclagem de Metais Ltda.
Impetrado: Senhor Delegado Regional Tributário de Jundiaí – Drt-16
Juíza de Direito: Dra. RAPHAEL MAGNO RESENDE SANTOS
Vistos.
Trata-se de Embargos de Declaração opostos pela Fazenda Pública do Estado de
São Paulo (fls. 151/156) em face da r. sentença de fls. 140/143 que concedeu a segurança à
impetrante para determinar à autoridade impetrada que se abstenha de exigir o ICMS nas
operações de transferência de sucata entre galpões de titularidade da impetrante, situados em São
Paulo e Rio de Janeiro, bem como de apreender a mercadoria em trânsito por falta de
recolhimento do imposto.
A embargante alega, em síntese, que a r. sentença foi omissa por não ter analisado
dois pontos cruciais arguidos nas informações prestadas pela autoridade coatora (fls. 81/86):
1) A atividade registrada da impetrante no CADESP seria de “comércio
atacadista”, não constando atividade industrial de recuperação de materiais, o que
influenciaria a aplicação do art. 392 do RICMS/SP;
2) A necessária distinção entre o “ICMS próprio” (incidente sobre a
operação de transferência, se tributável fosse) e o “ICMS-ST (diferido)” (referente à aquisição
anterior da sucata, cujo recolhimento é postergado).
A impetrante, ora embargada, manifestou-se pela rejeição dos embargos (fls.
161/166), sustentando que a sentença abordou a questão da não incidência do ICMS sobre a mera
circulação física e que os embargos visam à rediscussão do mérito.
É o relatório. DECIDO.
Os embargos de declaração, nos termos do artigo 1.022 do Código de Processo
Civil, são cabíveis contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar
contradição, suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício
ou a requerimento, ou ainda para corrigir erro material.
Analisando os argumentos da Fazenda Estadual, entendo que os embargos
merecem ser conhecidos, porém, no mérito, devem ser parcialmente acolhidos apenas para fins de
esclarecimento, sem alteração do resultado do julgado.
- Da alegada omissão quanto à atividade registrada no CADESP:
A Fazenda Pública aponta que a r. sentença não considerou que a atividade
principal da impetrante, conforme CADESP (fl. 86), é o “comércio atacadista de resíduos e
sucatas metálicos” (CNAE 46.87-7/03), e não a industrialização. Nas informações (fl. 83), a
autoridade coatora distinguiu as hipóteses de quebra do diferimento do ICMS previstas no art. 392
do RICMS/SP: a saída para outro Estado (inciso I) ou para o exterior (inciso II) para
comerciantes, e a entrada em estabelecimento industrial (inciso III) para industriais.
A r. sentença (fls. 140-143), ao conceder a segurança, fundamentou-se na Súmula
166 do STJ e no Tema 1.099 do STF, que estabelecem a não incidência de ICMS no simples
deslocamento de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, por ausência de
circulação jurídica (transferência de titularidade).
De fato, a sentença não detalhou a atividade específica da impetrante conforme
seu cadastro. Contudo, o cerne da controvérsia e da decisão repousa na natureza da operação de
transferência interestadual entre estabelecimentos da mesma titularidade. A jurisprudência
consolidada é no sentido de que tal operação não configura fato gerador do ICMS. Mesmo que a
impetrante seja comerciante, a “saída para outro Estado” prevista no art. 392, I, do RICMS/SP
como hipótese de interrupção do diferimento deve ser interpretada em consonância com o
conceito constitucional de circulação de mercadorias. Se a mera transferência física para filial em
outro estado não é fato gerador do ICMS (por ausência de circulação jurídica), não pode, por si
só, ensejar a cobrança do ICMS diferido pelo Estado de São Paulo, como se fosse uma operação
mercantil autônoma.
A esse respeito, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, no Agravo de Instrumento
nº 2201812-25.2024.8.26.0000, interposto nestes mesmos autos, ao deferir a tutela recursal (fls.
93/95) e, posteriormente, ao dar provimento ao recurso (fls. 135/139), foi explícito ao afirmar:
“Assim, consideradas a modulação realizada pelo Pretório Excelso no julgamento
dos embargos de declaração opostos à ADC n. 49/RN, segundo a qual se postergou a eficácia da
decisão nela proferida para o exercício financeiro de 2024, bem como a data de impetração do
presente mandamus (19.6.2024), possível a transferência de mercadorias entre estabelecimentos
de mesmo titular sem a incidência do ICMS, em nada interferindo o regime de diferimento,
técnica de arrecadação que não altera a regra-matriz de incidência tributária, no elemento
objetivo. Noutros termos, a cobrança do imposto, em todo caso, pressupõe a circulação
jurídica da mercadoria, a qual, na hipótese, inocorre, descabendo falar, por isso mesmo, em’quebra do diferimento’.” (fl. 138) (grifo nosso).
Portanto, a natureza da atividade principal da impetrante (comércio), conforme
seu CADESP, não altera a conclusão da sentença, pois a “quebra do diferimento” não pode ser
acionada por um evento que não constitui fato gerador do ICMS para o Estado de São Paulo. A
efetiva operação mercantil que ensejará o recolhimento do ICMS (inclusive o diferido) ocorrerá
no Estado de destino, quando da venda da sucata a terceiros pela filial da impetrante.
- Da alegada omissão quanto à distinção entre ICMS próprio e ICMS-ST
(diferido):
A Fazenda alega que a sentença não distinguiu o “ICMS próprio” da operação de
transferência (que seria zero, por não incidência) do “ICMS diferido” (relativo às operações
anteriores de aquisição da sucata). Argumenta que este último seria devido no momento da saída
interestadual, que configuraria a “quebra do diferimento”.
A sentença, ao determinar que a autoridade se abstenha de “exigir o ICMS” na
transferência, abrangeu, implicitamente, tanto o ICMS que se poderia cogitar como “próprio” da
transferência (inexistente, como pacificado) quanto o ICMS diferido que o Fisco pretendia cobrar
em razão dessa mesma transferência.
Conforme já explicitado no item anterior e na decisão do Agravo de Instrumento,
se a transferência interestadual para estabelecimento da mesma titularidade não constitui fato
gerador do ICMS, ela não pode ser o evento que legitima a cobrança do ICMS diferido pelo
Estado de São Paulo. O diferimento é uma técnica de postergação do recolhimento do tributo
devido em etapa anterior, e sua interrupção pressupõe a ocorrência de uma operação que, sob a
ótica da legislação paulista e em conformidade com os ditames constitucionais, encerre essa
postergação. Uma simples movimentação física, que não configura circulação jurídica de
mercadoria, não se enquadra como tal evento para fins de recolhimento do ICMS diferido em
favor do Estado de origem (São Paulo). O ICMS diferido deverá ser recolhido quando da efetiva
operação mercantil subsequente, no caso, pela filial no Rio de Janeiro, àquele Estado.
Assim, a sentença, ao afastar a exigibilidade do ICMS na operação de
transferência, implicitamente afastou a tese de que tal transferência ensejaria a “quebra do
diferimento” com o consequente dever de recolhimento do ICMS diferido ao Estado de São
Paulo. A fundamentação da sentença, baseada na ausência de fato gerador na transferência entre
estabelecimentos do mesmo titular, é suficiente para amparar a conclusão de que nenhum ICMS é
devido ao Fisco Paulista em decorrência dessa específica operação.
Conclusão:
Ante o exposto, ACOLHO PARCIALMENTE os embargos de declaração, sem
efeitos modificativos, tão somente para acrescer os fundamentos supra, integrando-os à
fundamentação da r. sentença de fls. 140/143, mantendo, contudo, integralmente o seu
dispositivo, qual seja, a concessão da segurança.
Concedida a segurança, caso não seja interposto recurso, aplica-se o reexame
necessário.
Int.
Jundiaí, 02 de junho de 2025.