DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA N. 1.306/STJ. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. VALIDADE DESDE QUE GARANTIDOS O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA. CASO CONCRETO NO QUAL A UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA IMPLICOU FLAGRANTE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. I. CASO EM EXAME
- Recurso especial – afetado ao rito dos repetitivos (Tema n. 1.306) – interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão que, ao julgar embargos de declaração opostos contra acórdão que manteve a monocrática negativa de provimento da apelação da parte autora, considerou suficiente (e válida) a fundamentação consubstanciada na transcrição ipsis litteris (isto é, palavra por palavra) da sentença de improcedência. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
- A utilização da técnica da fundamentação por referência (per relationem ou por remissão) – na qual são reproduzidos trechos de decisão anterior, documento e/ou parecer como razões de decidir – resulta (ou não) na nulidade do ato decisório, tendo em vista o disposto nos artigos 489, § 1º, e 1.022, parágrafo único, inciso II, do CPC de 2015. III. RAZÕES DE DECIDIR
- O dever constitucional de fundamentação subordina todos os integrantes do Poder Judiciário, aos quais é vedado proferir decisões arbitrárias, ou seja, pronunciamentos jurisdicionais que não se coadunem com o conceito democrático do exercício do poder, que exige a justificação – dialógica, racional e inteligível – do ato decisório de modo a viabilizar o seu “controle interno” pela parte e pelas instâncias judiciais subsequentes, bem como o seu “controle externo e difuso” pela sociedade.
- Além da explicitação das razões fáticas e jurídicas consideradas determinantes para a resposta oferecida aos jurisdicionados, deve o magistrado “enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada”, conforme preconiza o inciso IV do § 1º do artigo 489 do CPC.
- Nada obstante, “a função teleológica da decisão judicial é a de compor, precipuamente, litígios” – observadas as pretensões e as resistências apresentadas pelas partes -, não se prestando a discutir teses jurídicas como se fosse uma “peça acadêmica ou doutrinária”, tampouco se destinando “a responder a argumentos, à guisa de quesitos, [a exemplo de um] laudo pericial” (REsp n. 209.048/RJ, relator Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, julgado em 4/11/2003, DJ de 19/12/2003).
- Sob tal perspectiva, a validade da fundamentação por referência – como técnica de motivação da decisão judicial – é reconhecida pelo STF quando verificada “a compatibilidade entre o que alegado e o entendimento fixado pelo órgão julgador”, ficando dispensado, contudo, “o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas”, nos termos da tese jurídica firmada por ocasião do julgamento do Tema de Repercussão Geral n. 339 (AI n. 791.292 QO-RG/PE, relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 23/6/2010, DJe de 13/8/2010) e reafirmada pelo Plenário em 2023 (RE n. 1.397.056 ED-AgR/MA, relatora Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 13/3/2023, DJe de 28/3/2023). No mesmo sentido é a jurisprudência do STJ.
- Outrossim, é assente nesta Corte que a norma inserta no § 3º do artigo 1.021 do CPC – segundo a qual “é vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno” – deve ser interpretada em conjunto com a regra do inciso IV do § 1º do artigo 489. Desse modo, “na hipótese em que a parte insiste na mesma tese, repisando as mesmas alegações já apresentadas em recurso anterior, sem trazer nenhum argumento novo – ou caso se limite a suscitar fundamentos insuficientes para abalar as razões de decidir já explicitadas pelo julgador – não se vislumbra nulidade quanto à reprodução, nos fundamentos do acórdão do agravo interno, dos mesmos temas já postos na decisão monocrática” (EDcl no AgInt nos EAREsp n. 996.192/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 26/11/2019, DJe de 10/12/2019).
- No caso concreto, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão violou o inciso IV do § 1º do artigo 489 do CPC, pois, desde o julgamento monocrático da apelação manejada pela autora, observa-se que não foram enfrentados argumentos que, ao menos em tese, infirmam a sentença de improcedência da pretensão voltada ao reconhecimento da nulidade do contrato de empréstimo consignado. Na ocasião, o relator, após apresentar dados estatísticos desvinculados do feito e discorrer vaga e genericamente sobre a fundamentação por referência, limitou-se a transcrever a sentença sem rebater os elementos fáticos (indicativos de fraude) suscitados pela parte.
- Apesar de instado a esclarecer tais questões no âmbito de agravo interno e de embargos de declaração, o Tribunal de origem manteve-se silente, restringindo-se a repisar a regularidade da utilização da fundamentação por referência sem relacionar o caso dos autos aos argumentos apresentados pela autora desde a réplica.
Consequentemente, mostra-se evidente a negativa de prestação jurisdicional ensejadora da nulidade do acórdão estadual, o que, por consectário lógico, impõe o afastamento da multa aplicada pela Corte estadual com base no § 2º do artigo 1.026 do CPC.
- Teses jurídicas fixadas para fins dos artigos 1.036 a 1.041 do
CPC:
“1. A técnica da fundamentação por referência (per relationem) é permitida desde que o julgador, ao reproduzir trechos de decisão anterior, documento e/ou parecer como razões de decidir, enfrente, ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes para o julgamento do processo, dispensada a análise pormenorizada de cada uma das alegações ou provas;
- A reprodução dos fundamentos da decisão agravada como razões de decidir para negar provimento ao agravo interno, na hipótese do § 3º do artigo 1.021 do CPC, é admitida quando a parte deixa de apresentar argumento novo e relevante a ser apreciado pelo colegiado.” IV. DISPOSITIVO
- Recurso especial da autora provido a fim de cassar o acórdão recorrido, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para rejulgamento dos embargos de declaração e excluir a multa do § 2º do artigo 1.026 do CPC.
(REsp n. 2.148.059/MA, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 20/8/2025, DJEN de 5/9/2025.)