A LEI COMPLEMENTAR COMO AGENTE NORMATIVO ORDENADOR DO SISTEMA TRIBUTÁRIO E DA REPARTIÇÃO DAS COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS, POR SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO
1. AS LEIS COMPLEMENTARES DA CONSTITUIÇÃO
O art. 59 da Constituição Federal prescreve:
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I – emendas à Constituição;
II – leis complementares;
III – leis ordinárias;
IV – leis delegadas;
V – medidas provisórias;
VI – decretos legislativos;
VII – resoluções.
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.
E o art. 69 averba:
Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.
Infere-se que a lei complementar faz parte do processo legislativo da Constituição.
Nunes Leal, antes da Carta de 1967 e, por suposto, antes da Constituição de 1988, observara que nada distinguia uma lei complementar de outra, ordinária. Eram chamadas de complementares aquelas que tangiam instituições e regulavam os pontos sensíveis do ordenamento jurídico.
Agora a situação é outra. As leis complementares, inclusive as tributárias, são entes legislativos reconhecíveis formal e materialmente (forma e fundo), senão vejamos:
- A) sob o ponto de vista formal, lei complementar da Constituição é aquela votada por maioria absoluta (quorum de votação de metade mais um dos membros do Congresso Nacional), a teor do art. 69 da CF;
- B) sob o ponto de vista material, a lei complementar é a que tem por objetivo (conteúdo) a complementação da Constituição, quer ajuntando-lhe normatividade, quer operacionalizando-lhe os comandos, daí se reconhecer que existem leis complementares normativas e leis complementares de atuação constitucional. A matéria das leis complementares é fornecida pela própria CF expressamente.
2. AS LEIS COMPLEMENTARES TRIBUTÁRIAS
Em matéria tributária, a Constituição de 1988 assinala para a lei complementar os seguintes papéis:
I – emitir normas gerais de Direito Tributário;
II – dirimir conflitos de competência;
III – regular limitações ao poder de tributar;
IV – fazer atuar certos ditames constitucionais.
Os três primeiros são genéricos. O quarto é tópico. Caso por caso, a Constituição determina a utilização da lei complementar. Podemos dizer, noutras palavras, que a utilização da lei complementar não é decidida pelo Poder Legislativo. Ao contrário, a sua utilização é predeterminada pela Constituição. As matérias sob reserva de lei complementar são aquelas expressamente previstas pelo constituinte (âmbito de validade material, predeterminado constitucionalmente).
O assunto convoca necessariamente alguma explicação sobre a ordem jurídica dos Estados federativos. Em que pesem as particularidades dos vários Estados federais existentes, um fundamento é intrinsecamente comum a todos eles: a existência, ou melhor, a coexistência de ordens jurídicas parciais sob a égide da Constituição. 3
No Brasil, v.g., existem três ordens jurídicas parciais que, subordinadas pela ordem jurídica constitucional formam a ordem jurídica nacional. As ordens jurídicas parciais são: (a) a federal, (b) a estadual e (c) a municipal, pois tanto a União, como os estados e os municípios possuem autogoverno e produzem normas jurídicas. Juntas, estas ordens jurídicas formam a ordem jurídica total, sob o império da Constituição, fundamento do Estado e do Direito. A lei complementar é nacional e, pois, subordina as ordens jurídicas parciais (O Distrito Federal é estado e município a um só tempo).
Sacha Calmon Navarro Coêlho é Advogado, Coordenador do curso de especialização em Direito Tributário das Faculdades Milton Campos, Ex-Professor Titular das Faculdades de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ex-Juiz Federal. Ex-Procurador Chefe da Procuradoria Fiscal de Minas Gerais. Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) no Rio de Janeiro. Autor do “Curso de Direito Tributário Brasileiro” (Forense). scalmon@sachacalmon.com.br