Processo nº: 1002178-66.2025.8.26.0053
Classe – Assunto Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública – Repetição de
indébito
Requerente: Paony Santana Santos
Requerido: PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO
Juiz(a) de Direito: Dr(a). André Mattos Soares
Vistos.
Dispensado o relatório, na forma do art. 38, caput, Lei nº 9.099/95 c.c art. 27 da
Lei nº 12.153/09.
Fundamento e decido.
Trata-se de demanda em que a autora pretende, em síntese, o reconhecimento do
direito de recolher o Imposto sobre Transmissão ‘Inter Vivos’ de Bens Imóveis (ITBI) com base
no valor da transação, e não com base no valor venal do bem, como pretende o Fisco. Requer,
assim, a condenação do Município à restituição do valor pago a maior.
De início, afasto a preliminar arguida para sobrestar a ação, pois o Recurso
Especial n. 1.937.821/SP, processo-paradigma do Tema n. 1113 já foi julgado. Consigne-se que
não se exige o trânsito em julgado do acórdão paradigma, apenas a conclusão do julgamento, de
modo que não há o que se falar em suspensão do feito até o julgamento definitivo do RESP
1.937.821/SP pelo STJ.
A divergência gira exclusivamente em torno da aplicação do direito. É caso de
julgamento antecipado e integral da lide, dispensando-se a dilação probatória, na medida em que
incontroversos os fatos.
Não havendo outras questões preliminares pendentes, passo ao exame do mérito.
No caso dos autos, a autora alega que o ITBI foi recolhido de forma majorada,
dado que foi utilizado como base de cálculo do imposto o valor venal de referência do imóvel.
Contudo, segundo afirma, a base de cálculo do tributo seria o valor transmitido em condições
normais de mercado.
A respeito, destaca-se que o Órgão Especial desta E. Corte acolheu a Arguição de
Inconstitucionalidade do Decreto Municipal n° 46.228/05, que afrontava o princípio da legalidade
tributária, acórdão cuja ementa tem o seguinte teor:
“ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – Município de SãoPaulo
Decreto Municipal 46.228/2005 – ITBI (Imposto sobre transmissão de bens
imóveis ‘intervivos’ – Aumento na base de cálculo – Art. 150 da Constituição
Federal – Inconstitucionalidade reconhecida. Na veiculação de temas de
direito tributário que concernem às relações entre o Estado e o
contribuinte, sujeita-se o Poder Público ao princípio constitucional da
reserva de Lei, disposto no artigo 150 da Constituição Federal, que veda à
União, Estados ou Municípios a exigência ou aumento de tributo sem lei
que o estabeleça. Tendo em vista que, ao teor do art. 38, do CTN, a base de
cálculo para o lançamento tributário é o valor venal dos bens e títulos
transmitidos, para se atribuir outro valor ao imóvel, que não o decorrente do
anterior, mister a existência de uma lei que o autorize, não bastando, para isso,
simples decreto”. (TJ/SP, Arguição de Inconstitucionalidade nº
0098335-50.2006.8.26.0000, rel. Exmo.Des. Renê Ricupero, j.16/06/2010)
Posteriormente, o Eg. TJSP reconheceu a inconstitucionalidade dos arts. 7-A,7-B
e 12, todos da Lei nº 11.154/91, com a redação dada pelas Leis n. 14.125/05 e 14.256/06.
Vejamos:
INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE – Artigo 7º da Lei nº 11.154,
de 30 de dezembro de 1991, com a redação dada pelas Leis nºs 14.125, de 29 de
dezembro de 2005, e 14.256, de 29 de dezembro de 2006, todas do Município
de São Paulo, que estabelece o valor pelo qual o bem ou direito é negociado à
vista, em condições normais de mercado, como a base de cálculo do Imposto
sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) – Acórdão que, a despeito de não
manifestar de forma expressa, implicitamente também questionou as
disposições dos artigos 7º-A, 7º-B e 12 da mesma legislação municipal – Valor
venal atribuído ao imóvel para apuração do ITBI que não se confunde
necessariamente com aquele utilizado para lançamento do IPTU – Precedentes
do STJ – Previsão contida no aludido artigo 7º que, nessa linha, não representa
afronta ao princípio da legalidade, haja vista que, como regra, a apuração do
imposto deve ser feita com base no valor do negócio jurídico realizado,
tendo em consideração as declarações prestadas pelo próprio contribuinte,
o que, em princípio, espelharia o “real valor de mercado do imóvel” – “Valor venal de referência”, todavia, que deve servir ao Município apenas
como parâmetro de verificação da compatibilidade do preço declarado de
venda, não podendo se prestar para a prévia fixação da base de cálculo do
ITBI – Impossibilidade, outrossim, de se impor ao sujeito passivo do
imposto, desde logo, a adoção da tabela realizada pelo Município – Imposto
municipal em causa que está sujeito ao lançamento por homologação,
cabendo ao próprio contribuinte antecipar o recolhimento – Arbitramento
administrativo que é providência excepcional, da qual o Município somente
pode lançar mão na hipótese de ser constatada a incorreção ou falsidade na
documentação comprobatória do negócio jurídico tributável – Providência
que, de toda sorte, depende sempre da prévia instauração do pertinente
procedimento administrativo, na forma do artigo 148 do Código Tributário
Nacional, sob pena de restar caracterizado o lançamento de ofício da
exação, ao qual o ITBI não se submete – Artigos 7º-A e 7º-B que, nesse
passo, subvertem o procedimento estabelecido na legislação complementar
tributária,em afronta ao princípio da legalidade estrita, inserido no artigo
150, inciso I, da Constituição Federal – Inadmissibilidade, ainda, de se exigir
o recolhimento antecipado do tributo, nos moldes estabelecidos no artigo 12 da
Lei Municipal nº 11.154/91, por representar violação ao preceito do artigo 156,
inciso II, da Constituição Federal – Registro imobiliário que é constitutivo da
propriedade, não tendo efeito meramente regularizador e publicitário, razão pela
qual deve ser tomado como fato gerador do ITBI – Regime constitucional da
substituição tributária, previsto no artigo 150, § 7º, da Constituição Federal, que
nem tem lugar na espécie, haja vista que não se cuida de norma que autoriza a
antecipação da exigibilidade do imposto deforma irrestrita – Arguição acolhida
para o fim de pronunciar a inconstitucionalidade dos artigos 7º-A,7º-B e 12, da
Lei nº 11.154/91, do Município de São Paulo
(TJ/SP, Arguição de Inconstitucionalidade nº0056693-19.2014.8.26.0000, rel.
Exmo. Des. Paulo Dimas Mascaretti, j.25.03.2015).
Outrossim, em decisão mais recente proferida em sede de Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas, o Eg. TJSP assim decidiu:
“INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS ITBI
BASE DE CÁLCULO – Deve ser calculado sobre o valor do negócio jurídico
realizado ou sobre o valor venal do imóvel para fins de IPTU, aquele que
for maior, afastando o “valor de referência” – Ilegalidade da apuração do
valor venal previsto em desacordo com o CTN – Ofensa ao principio da
legalidade tributária, artigo 150, inciso I da CF Precedentes IRDR PROVIDO
PARA FIXAR A TESE JURÍDICA DA BASE DE CÁLCULO DO ITBI,
DEVENDO CORRESPONDER AO VALOR VENAL DO IMÓVEL OU AO
VALOR DA TRANSAÇÃO, PREVALECENDO O QUE FOR MAIOR.”
(TJSP; Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
2243516-62.2017.8.26.0000; Relator(a): Burza Neto; Órgão Julgador: 7º Grupo
de Direito Público; Foro Central -Fazenda Pública/Acidentes – 9ª Vara de
Fazenda Pública; Data do Julgamento: 23/05/2019; Data de Registro:
26/07/2019).
Ocorre que, em 03/03/2022, houve a publicação, pelo C. STJ do acórdão de
mérito no Recurso Especial n. 1.937.821/SP, processo-paradigma do Tema n. 1113 Base Cálculo
ITBI, oriundo do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR 19 -TJSP) n.
2243516-62.2017.8.26.0000, com definição das seguintes teses:
“a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições
normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que
nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
- b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de
que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada
pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo
próprio (art.148 do CTN);
- c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI
com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.
Portanto, procedente o pedido de restituição de indébito.
Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial realizado, extinguindo o
processo, com resolução do mérito,nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo
Civil, para i) declarar ilegal a cobrança do ITBI com base no valor venal de referência; ii)
determinar que os valores corretos a serem recolhidos pela autora a título de ITBI do imóvel de
matrícula nº 57.900, registrado no 8º Cartório de Registro de Imóveis desta Capital, são os
referentes ao valor da transação atualizado ao tempo do registro imobiliário, e iii) condenar a
requerida à restituição dos valores recolhidos a maior.
Por se tratar de repetição de indébito tributário, a correção monetária deverá ser
feita com base no IPCA-E desde a retenção indevida até o trânsito em julgado desta sentença
(Tema 810 STF), e a partir de então incidirá apenas a SELIC, que já contém em sua base os juros
e correção monetária.
Sem custas e honorários advocatícios, na forma do artigo 54 da Lei nº 9.099/95.
Não havendo interposição de recurso inominado, com o trânsito em julgado,
arquivem-se os autos.
Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.
São Paulo, 30 de maio de 2025