Reforma tributária: governos devem incluir IBS e CBS no ICMS, ISS e IPI
15/08/2025
Fontes das três esferas da federação confirmaram ao JOTA que enxergam o silêncio da lei como autorização para a cobrança
Com o início da transição da reforma tributária, a inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ISS, do ICMS e do IPI é dada como certa pelos entes federativos e apresenta um debate fadado à judicialização durante e após a transição para o novo sistema. Fontes das três esferas de governo ouvidas pelo JOTA confirmaram que interpretam que o silêncio sobre o tema na Emenda Constitucional 132/2023, que implementou a reforma, e na Lei Complementar 214/2025, que regulamenta os novos tributos, autoriza a tributação.
Além disso, para os entes federativos, afastar essa cobrança seria uma “anomalia” contrária à proposta de carga tributária neutra, uma vez que no sistema atual há várias hipóteses de incidência de tributo sobre tributo. Haveria, assim, uma perda de arrecadação na comparação com o sistema atual. Por outro lado, juristas alegam que a “tributação em cascata” feriria os princípios do novo sistema tributário, em especial a simplicidade e a transparência, e que a judicialização será um caminho inevitável.
Texto original vedava inclusão do IBS/CBS no ICMS, ISS e IPI
O advogado Pedro Grillo, do escritório Brigagão, Duque Estrada, explica que, inicialmente, havia previsão na PEC 45/2019, uma das origens da EC 132/2023, que vedava a inclusão dos novos tributos na base de cálculo do ICMS e do ISS.
A previsão foi suprimida, e não apenas a EC 132/2023 como a LC 214/2025 são silentes sobre o assunto e também sobre a inclusão dos novos tributos na base de cálculo do IPI. “Foi mantida apenas a vedação quanto à inclusão do IBS e da CBS em suas próprias bases e nas bases do Imposto Seletivo, do PIS e da Cofins”, afirma Grillo.
A lacuna acendeu um alerta e levou à proposição, no Congresso Nacional, do PLP 16/2025. O projeto busca justamente garantir que o IBS e a CBS sejam excluídos da base de cálculo do ICMS, do IPI e do ISS. No entanto, ainda não há perspectiva para a sua aprovação.
Entes devem incluir IBS e CBS na base dos antigos tributos
Fontes das três esferas da federação confirmaram ao JOTA que a tendência é de incluir IBS e a CBS na base de cálculo do ICMS, do ISS e do IPI. Uma fonte do governo federal disse que, uma vez que a EC 132/2023 não determina expressamente a exclusão, ela interpreta que os novos tributos da reforma tributária compõem, sim, a base de cálculo ICMS e do ISS, durante a transição da reforma tributária, e do IPI, durante e após a transição.
O diretor institucional do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), André Horta, ressalta que a reforma tributária garante “a transição neutra em termos de arrecadação dos tributos reformados”. “Intentar alguma manobra de texto de redução de recurso público de estados e municípios nesta altura das discussões seria supor a própria sabotagem dos princípios e do esforço da reforma”, diz o diretor institucional.
Em nota, a Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP) afirma que excluir o IBS e a CBS da base de cálculo dos tributos antigos “levaria a uma erosão imediata das receitas subnacionais”. A entidade calcula que, apenas com o ISS, a perda em arrecadação seria de 10,8% em 2029 e cresceria progressivamente até atingir 16,2% em 2032. A frente ressalta que essa redução não possui um mecanismo de compensação previsto e que a alteração “resultaria em perdas líquidas e irreversíveis para os entes subnacionais”. “A consequência disso é clara: redução da capacidade de estados e municípios de financiar serviços públicos essenciais, como saúde, educação e segurança pública”, diz.
Efeito cascata de IBS/CBS no ISS/ICMS e IPI
Para Pedro Grillo, a cobrança de tributo sobre tributo vai na contramão do propósito declarado da reforma, de não cumulatividade, simplicidade e transparência. “Quando olhamos para a finalidade da EC 132/2023, que inseriu esses princípios para guiar a tributação, vemos que incluir tributos na base de cálculo de outros não é nada simples e também não traz transparência. É o que se chama de ilusionismo fiscal”, afirma.
Ana Helena Souza, advogada da área tributária do Gaia Silva Gaede Advogados, afirma ainda que a cobrança em cascata vai em sentido oposto ao objetivo de neutralidade da reforma tributária e de redução das distorções econômicas. Pelo princípio da neutralidade, o sistema tributário não deve interferir nas decisões dos agentes econômicos. “Tributar quando não há autorização expressa não atende a esses princípios, pois isso alimenta um ciclo de ‘efeito cascata’”, analisa Souza.
A tributarista enxerga um aumento da litigiosidade dos moldes da “tese do século” (Tema 69), por meio da qual o Supremo Tribunal Federal (STF) excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Souza destaca que o IBS e a CBS não compõem o valor da operação, que é, por definição, a base de cálculo do ICMS e do IPI, por exemplo. O problema é que, mesmo após esse julgamento, em 2017, a Corte decidiu outros casos envolvendo tributos sobre tributos de modo distinto. Em 30 de maio de 2025, por exemplo, o Supremo validou a inclusão do PIS e da Cofins na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) .
A advogada Nina Pencak, do Mannrich e Vasconcelos, também considera que os princípios da simplicidade e da transparência podem servir como fundamento para questionar judicialmente a incidência de tributo sobre tributo. Pencak ressalta que a discussão não é nova e que, agora, o Judiciário pode entender a reforma tributária como uma forma de “estancar esses debates, uma vez que o ideal seria a simplificação do sistema”.
Tributação gera volume substancial de contencioso, diz CCiF
Em nota técnica, o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), que elaborou a proposta inicial da PEC 45/2019, afirma que a inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ICMS e do ISS tem o potencial de gerar “um volume substancial de contencioso administrativo e tributário”. Para o CCiF, que também cita o caso da “tese do século”, isso aumentaria, consequentemente, a insegurança jurídica e a instabilidade do sistema tributário.
Como efeitos negativos para a economia, o CCiF argumenta que a inclusão dos novos tributos na base dos antigos gera efeito cascata e resíduo tributário, “o que aumenta indevidamente a carga tributária efetiva da cadeia produtiva e encarece o valor dos bens e serviços de forma artificial, comprometendo a neutralidade”. Além disso, dificulta a apuração dos tributos, aumenta o custo de conformidade dos contribuintes e dificulta a fiscalização por parte da administração tributária, entre outros problemas.
Cristiane Bonfanti
Editora-assistente