ARE 1556474 / SP – SÃO PAULO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI
Julgamento: 24/06/2025
Publicação: 25/06/2025
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-s/n DIVULG 24/06/2025 PUBLIC 25/06/2025
Partes
RECTE.(S) : TABATEX COMERCIO E REPRESENTACOES TEXTEIS LTDA
ADV.(A/S) : RICARDO DE OLIVEIRA CONCEIÇÃO
RECDO.(A/S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
Decisão
DECISÃO:
Vistos.
Trata-se de agravo contra decisão que inadmitiu recurso extraordinário interposto com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, em face de acórdão com a seguinte ementa (e-doc. n° 84):
‘’PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – HABILITAÇÃO ADMINISTRATIVA DE CRÉDITOS EM DECORRÊNCIA DE TÍTULO JUDICIAL COLETIVO (AUTOS Nº. 0008863-48.2008.4.03.6109) -ANULAÇÃO DA R. SENTENÇA EXTRA PETITA – JULGAMENTO DA CAUSA MADURA – ASSOCIAÇÃO COMERCIAL INDUSTRIAL DE AMERICANA (ACIA) – PECULIARIDADE DA AÇÃO COLETIVA. 1- O presente mandado de segurança foi impetrado com o objetivo de viabilizar o processamento de pedido administrativo de habilitação de créditos para compensação. A extensão dos créditos passíveis de compensação não chegou a ser analisada pela autoridade fiscal, na medida que o pedido foi indeferido por ausência de legitimidade. 2- Anulação da r. sentença “extra petita” e julgamento da causa madura, dentro dos limites do pedido inicial, nos termos do artigo 1.013, § 3º, inciso II, do Código de Processo Civil. 3- Regra geral, a impetração de mandado de mandado de segurança coletivo independe de autorização dos substituídos processuais, de sorte que é desnecessária a apresentação de relação nominal de associados na petição inicial coletiva. Essa é a orientação vinculante do Supremo Tribunal Federal: Súmula nº. 629 e Tema nº. 1.119. 4- Todavia, o presente caso concreto possui especificidade que torna inaplicável a orientação vinculante. De fato, a partir da constatação de que a Associação Comercial Industrial de Americana (ACIA) possui contornos genéricos, o Juízo da execução coletiva determinou o prosseguimento da execução apenas com relação aos filiados no momento da impetração, sendo que tal decisão foi mantida pela 6ª Turma desta Corte Regional (AI nº. 5031880-94.2023.4.03.0000). 5- Sentença “extra petita” anulada de ofício. Improcedência do pedido inicial nos termos do artigo 1.013, § 3º, inciso II, do Código de Processo Civil. Apelações e a remessa oficial, tida por interposta, prejudicadas.”
No recurso extraordinário (e-doc. n° 101), a parte recorrente alega violação ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988.
Aduz que, conforme consta do Estatuto Social da ACIA, fundada em 30/1/1962, dentre suas finalidades consta a defesa dos direitos e interesses das categorias empresariais compreendidas no quadro associativo, inclusive, nas esferas judiciais ou administrativas, incumbindo-lhe, portanto, representar os interesses dos associados, os quais são pessoas físicas ou jurídicas que desenvolvem atividade empresarial, não havendo que se falar em representação de categoria genérica.
Sustenta que o acórdão recorrido, ao limitar a representatividade à listagem inicial de associados apresentada junto à exordial do mandado de segurança coletivo, vai de encontro a toda a teleologia coletivo-associativa que serviu de norte para a tese fixada no Tema nº 1.119 da repercussão geral.
Destaca que
“(…) a análise de legitimidade e representatividade do substituto processual em um mandado de segurança coletivo é pressuposto para seu julgamento, sendo certo que, em caso de procedência, essa representatividade foi logicamente confirmada na sentença transitada.”
Decido.
O recurso não merece prosperar.
Trata-se de mandado de segurança impetrado com o objetivo de compelir a Receita Federal do Brasil a acolher pedido de habilitação de crédito reconhecido por decisão transitada em julgado nos autos do Mandado de Segurança Coletivo nº 0008863- 48.2008.4.03.6109, no qual foi reconhecido o direito de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.
A Corte de origem, de ofício, declarou a nulidade da sentença “extra petita” e, nos termos do art. 1.013, § 3º, do CPC/2015, julgou improcedente o pedido inicial, uma vez que no cumprimento do julgado coletivo, foi proferida decisão no sentido de que, por se tratar de associação genérica, a eficácia da ordem coletiva concedida se restringiria às previamente filiadas ao tempo da impetração do writ coletivo.
A propósito, transcrevo o seguinte trecho do voto condutor do acórdão recorrido (e-doc. 84):
“Regra geral, a impetração de mandado de mandado de segurança coletivo independe de autorização dos substituídos processuais, de sorte que é desnecessária a apresentação de relação nominal de associados na petição inicial coletiva. Essa é a orientação vinculante do Supremo Tribunal Federal: Súmula nº. 629 e Tema nº. 1.119 (Pleno, ARE 1293130 RG, j. 17/12/2020, Rel. Min. LUIZ FUX).
Todavia, o presente caso concreto possui especificidade.
Em consulta aos autos do processo coletivo (nº. 0008863-48.2008.4.03.6109), verifica-se que Associação Comercial Industrial de Americana (ACIA) impetrou mandado de segurança coletivo em 22/09/2008 para viabilizar a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS e, por decorrência, compensar os valores indevidamente recolhidos a esse título (ID 25609596 na origem). A r. sentença julgou o pedido procedente, em parte, autorizando a compensação dos valores indevidamente recolhidos nos cinco anos que antecedem a impetração (fls. 169/182, ID 25609596 na origem). Nesta Corte Regional, a r. sentença inicialmente foi reformada (fls. 47/53 e 74/85, ID 25610201 na origem) e, após, em juízo de retratação foi concedida parcialmente a segurança para autorizar a compensação, observada a prescrição quinquenal e a impossibilidade de compensar débitos previdenciários (fls. 4/14, ID 25609599 na origem). Ocorreu o trânsito em julgado em 06/12/2018 (fls. 98, ID 25609599 na origem).
De acordo com o andamento processual eletrônico da ação nesta Corte, a data do trânsito em julgado é 18/09/2018.
Iniciado o cumprimento do julgado coletivo, em 27/10/2023, foi proferida a seguinte decisão (ID 298188908 da ação coletiva):
‘Contudo, ao fixar a tese do Tema 1.119, o STF ressalvou, expressamente que as associações genéricas não poderiam ter seus associados beneficiados por decisões em mandado de segurança coletivo.
Assim, o simples fato de se criar e registrar uma pessoa jurídica como sendo uma associação não impõe ou autoriza, no aspecto da atuação processual, a automática e autêntica legitimidade ativa das associações, sendo necessário à regular substituição processual, que se determine, minimamente, o seu objeto social, a partir do qual definido o conjunto de seus associados.
Nesta perspectiva, o STF afirmou que é necessário que a associação determine minimamente quais são os seus fins sociais.
Afinal, a criação de uma entidade sem objetivos estabelecidos constitui violação ao devido processo legal por ser usada indevidamente como substituta processual, tendo especificado: Não se aplica às associações genéricas — que não representam qualquer categoria econômica ou profissional específica — a tese firmada no Tema 1.119 da sistemática da repercussão geral, sendo insuficiente a mera regularidade registral da entidade para sua atuação em sede de mandado de segurança coletivo, pois passível de causar prejuízo aos interesses dos beneficiários supostamente defendidos. STF. 2ª Turma. ARE 1.339.496 AgR/RJ, Rel. Min. Edson Fachin, redator do acórdão Min. André Mendonça, julgado em 7/02/2023 (Info 1082).
É o caso da presente associação, que apresenta em seu estatuto os seguintes fins sociais (ID 25609596 – fl. 55) artigo 1º:
- a) pugnar pela defesa dos interesses das empresas ligadas às atividades econômicas, observando a proteção à livre iniciativa e à ordem econômica;
- b) desenvolver entre os associados o espírito de solidariedade;
- c) colaborar para a conscientização empresarial sobre o desenvolvimento sustentável;
- d) promover reuniões e assembleias para estudos e deliberações sobre assuntos de interesses das classes que representa;
- e) criar e manter departamentos que prestem serviços de utilidade para as classes que representa;
- f) exercer todas as funções representativas das empresas ligadas às atividades econômicas, perante os poderes públicos e entidades congêneres;
- g) representar os associados judicial e extrajudicialmente;
- h) impetrar mandado de segurança coletivo em defesa do interesse de seus membros ou associados;
- i) instalar ou auxiliar na criação da câmara de Arbitragem, na forma da lei;
- j) promover e manter cursos profissionalizantes de reciclagem ou aperfeiçoamento aos seus associados e a comunidade em geral. Constata-se ainda que são admitidos como associados (ID 25609596 – fl. 56):
Artigo 3º – Pessoas físicas ou jurídicas que tenham ou não domicílio ou sede em Americana, desde que devidamente legalizados, junto aos órgãos competentes e exercendo atividades:
- a) Empresas em geral, individuais ou coletivas;
- b) As associações civis e as de classe, fundações, organizações ou entidades de qualquer natureza, ligadas às atividades econômicas;
- c) Os membros das profissões relacionadas com as atividades econômicas.
Neste contexto, constata-se que se trata de Associação Genérica, em que não se identifica uma categoria de associados, não sendo possível a aplicação do Tema 1119, que permite a filiação posterior à entidade.
Diante do exposto, determino que a execução prossiga apenas em relação aos que se filiaram anteriormente à propositura da ação, já que se trata de associação genérica, não se aplicando o Tema 1119.
Oficie-se à Delegacia da Receita Federal local para que cumpra integralmente o acórdão do E. TRF da 3ª Região, anexo, tão somente em relação aos associados mencionados na inicial (ID 25609596 – fls. 67/ 110), independentemente de homologação de desistência da presente execução ou expedição de certidão de objeto e pé aos interessados’.
Anota-se, por fim, que interposto recurso de agravo de instrumento contra tal decisão (AI nº 5031880-94.2023.4.03.0000), ao qual negado provimento na forma do artigo 932 do Código de Processo Civil. O agravo interno da ACIA foi desprovido na sessão de julgamento da 6ª Turma realizada em 27/06/2024. Segue a ementa do v. Aresto:
AGRAVO INTERNO CONTRA A DECISÃO QUE NEGOU PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO – ASSOCIAÇÃO GENÉRICA – INAPLICABILIDADE DO TEMA 1.119 – INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA QUANTO A INTERPRETAÇÃO DOS LIMITES DA DECISÃO – RECURSO NÃO PROVIDO.
- No presente caso, observa-se que a associação se volta à defesa dos interesses da indústria e do comércio em geral, abrangendo qualquer relação jurídica em que estejam envolvidas as empresas, de natureza comercial, empresarial ou tributária, não havendo descrição de qualquer categoria econômica, de grupo ou de interesses a serem defendidos.
- A interpretação da condenação proferida no mandado de segurança coletivo não pode atrair a tese de repercussão geral fixada no Tema 1.119/STF, uma vez que não existe categoria econômica delimitada, cuja representação independa de filiação prévia dos beneficiários ao momento da propositura da ação.
- Não procede a alegação de que a restrição da eficácia fere a coisa julgada. A condenação proferida no mandado de segurança não especificou a categoria econômica a ser beneficiada, seguindo simplesmente o objeto da associação, de modo que a interpretação dos limites da decisão representa questão em aberto, a ser resolvida pela aplicação das normas do microssistema de interesses difusos e coletivos na fase de cumprimento de sentença.
- Agravo interno não provido.
(TRF-3, AI 5031880-94.2023.4.03.0000, j. 27/06/2024, Rel. Des. Fed. MAIRAN GONÇALVES MAIA JUNIOR).
Nesse quadro peculiar, é devida a verificação da prévia filiação da impetrante, de sorte que a atuação administrativa é regular.
Ante o exposto, declaro, de ofício, a nulidade da r. sentença ‘extra petita’ e, nos termos do art. 1.013, §3º, do CPC/2015, julgo o pedido inicial improcedente. Prejudicadas as apelações e a remessa oficial, tida por interposta.
Não são devidos honorários advocatícios em sede de mandado de segurança nos termos do artigo 25 da Lei Federal nº. 12.016/09.
É o voto.”
Como se vê, o acórdão recorrido encontra-se em harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, da qual colaciono precedentes de ambas as Turmas desta Corte:
EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS CONTRIBUINTES DE TRIBUTOS. ILEGITIMIDADE ATIVA. TEMA 1.119. INAPLICABILIDADE. ASSOCIAÇÃO GENÉRICA. VIOLAÇÃO AO EFEITO DEVOLUTIVO. NÃO VERIFICADA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
- O Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de que associações atuam como substitutos processuais em mandado de segurança coletivo, dispensando autorização expressa dos associados e a lista de filiados (Tema nº 1.119 da Repercussão Geral).
- Contudo, este entendimento não se aplica a associações genéricas, como a agravante, que apresenta indeterminação do objeto social e do rol de associados, conforme a jurisprudência desta Suprema Corte.
- A matéria trazida para ser examinada diz com a verificação da legitimidade da agravante para impetrar mandado de segurança coletivo, o que foi abordado na decisão agravada. Não há falar, portanto, em violação ao efeito devolutivo.
- Agravo interno conhecido e não provido. (RE 1.450.917 ED-AgR, Relator Ministro Flávio Dino, Primeira Turma, Dje 30/4/2025)
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. ILEGITIMIDADE ATIVA. ASSOCIAÇÃO GENÉRICA. INAPLICABILIDADE DO TEMA RG Nº 1.119. PRECEDENTE: ARE Nº 1.339.496/RJ. MERA REITERAÇÃO DOS ARGUMENTOS JÁ REFUTADOS NA DECISÃO AGRAVADA. ÓBICE DO ENUNCIADO Nº 287 DA SÚMULA DO STF.
- Indistinto é o caso da Associação Comercial Industrial Agro Pastoril e Prestadora de Serviços de Barra Mansa (Aciap), que se constitui de “empresas do comércio, da indústria, da agropecuária, de serviços, de atividades econômicas correlatas e de pessoas direta ou indiretamente ligadas a tais entidades ou às suas atividades econômicas”, ou seja, sem delimitação devida de seus associados.
- É inviável o agravo cujas razões consistem, essencialmente, na reiteração das teses veiculadas anteriormente, o que atrai o óbice do enunciado nº 287 da Súmula do STF.
- Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 1.480.978 AgR, Relator Ministro André Mendonça, Segunda Turma, Dje 30/7/2024)
Ante o exposto, nos termos do artigo 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, nego seguimento ao recurso.
Sem majoração de honorários de sucumbência (Súmula nº 512/STF).
Publique-se.
Brasília, 24 de junho de 2025.
Ministro DIAS TOFFOLI
Relator