RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. MARCO CIVIL DA INTERNET. QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE DESISTÊNCIA. “LEADING CASE”. INTERESSE PÚBLICO. PROTEÇÃO DE MENOR CONTRA PORNOGRAFIA DE VINGANÇA. NÃO HOMOLOGAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. COMPARTILHAMENTO DE IMAGENS ÍNTIMAS SEM AUTORIZAÇÃO. APLICATIVO DE MENSAGERIA PRIVADA. CRIPTOGRAFIA. ORDEM DE REMOÇÃO DE CONTEÚDO COM IDENTIFICAÇÃO DO USUÁRIO INFRATOR. IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA NÃO COMPROVADA. ELIMINAÇÃO OU MITIGAÇÃO DO DANO. ADOÇÃO DE MEDIDAS TÉCNICAS EQUIVALENTES. POSSIBILIDADE EM TESE. DESÍDIA CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.
- Ação de obrigação de fazer c/c indenizatória por danos morais da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 11/12/2023 e concluso ao gabinete em 24/09/2024.
- O propósito recursal consiste em decidir se é possível caracterizar como inerte a postura do provedor de aplicativo de internet (mensageria privada) que, após instado a cumprir ordem de remoção de conteúdo infringente (imagens íntimas de menor de idade compartilhadas sem autorização), deixa de adotar qualquer providência sob fundamento de impossibilidade de exclusão do conteúdo por questão técnica do serviço (criptografia ponta a ponta).
- É possível indeferir pedido de desistência recursal, veiculado anteriormente ao julgamento, desde que a negativa de desistência seja avaliada pelo colegiado em questão de ordem, levando-se em consideração (i) se tratar de tema nunca enfrentado no STJ (“leading case”), (ii) haver indícios de estratagema a evitar jurisprudência em pedidos de desistência homologados anteriormente envolvendo o mesmo desistente, (iii) o sorteio de relatoria preceder a apresentação do pedido de desistência e (iv) haver forte interesse público no enfrentamento do objeto recursal a recomendar orientação jurisprudencial nacional.
- Não há ofensa ao art. 1022 do CPC, quando o Tribunal de Origem examina, de forma fundamentada, a questão submetida à apreciação judicial na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte. Precedentes.
- O provedor de aplicativos de internet responde de forma solidária por conteúdo gerado por terceiros quando permanecer inerte após instado a adotar medidas de eliminação ou mitigação do dano.
Precedentes.
- No âmbito da mensageria privada, o objetivo principal das vítimas de pornografia de vingança é neutralizar o compartilhamento de imagens íntimas perante terceiros e de forma não autorizada.
- A ordem de remoção de conteúdo infrator a que se refere o Marco Civil da Internet deve ser compatibilizada com o objetivo principal de proteção das vítimas de pornografia de vingança.
- Alegações de impossibilidade técnica de cumprimento de ordem de remoção devem ser analisadas com ceticismo quando inexistir exame pericial específico que possa atestar ausência de controvérsia relativa a limitações da tecnologia envolvida.
- Hipótese em que provedor do aplicativo de internet WhatsApp alega inviabilidade de acesso, interceptação ou remoção de conteúdo de mensagens trocadas entre seus usuários em razão da criptografia de ponta a ponta e inexistência de URL para identificar a fonte do conteúdo, porém, deixa de adotar medida equivalente para eliminar ou mitigar o dano ocasionado pelos usuários que utilizam o serviço de mensageria de forma ilícita, a exemplo da suspensão ou banimento cautelar das contas dos infratores quando há a identificação da titularidade das contas, tal como ocorre com o fornecimento do número telefônico associado à conta do usuário infrator.
- Não é razoável deixar vítimas de pornografia de vingança (especialmente se menores de idade) à mercê do “paradoxo da segurança digital” – i.e., quanto mais segura for a técnica de compartilhamento de conteúdo infrator, mais inseguras estão as vítimas dos abusos perpetrados por usuários que utilizam a robustez do sistema de mensageria privada para fins ilícitos.
- Recurso especial desprovido.
(REsp n. 2.172.296/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/2/2025, DJEN de 7/2/2025.)