SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 3613 – AM (2025/0241632-5)
EMENTA
SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. INCIDENTE PROPOSTO POR PESSOA JURIDÍCA DE DIREITO PRIVADO – CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA.
DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE EXECUÇÃO. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DANO OU LESÃO CONCRETA AOS BENS TUTELADOS NO ART. 4º DA LEI 8.437/92. PEDIDO NÃO CONHECIDO, COM RECOMENDAÇÃO.
DECISÃO
Trata-se de Pedido de Suspensão de Liminar e de Sentença formulado por AMAZONAS ENERGIA S/A contra decisão monocrática proferida no Agravo de Instrumento 0000161-48.2024.8.04.9001, em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, que possibilitou a penhora em contas bancárias da requerente no valor de R$1.418.132.495,02 (um bilhão, quatrocentos e dezoito milhões, cento e trinta e dois mil, quatrocentos e noventa e cinco reais e dois centavos), valor do crédito pleiteado pelo Estado do Amazonas nos autos da Execução Fiscal 0626303-84.2018.8.04.0001 – montante esse, segundo a requerente, é discutido na Ação Anulatória 0625218-63.2018.8.04.0001, por ela ajuizada contra o ente público.
A requerente afirma que “o ato jurisdicional impugnado causa grave lesão à coletividade, posto que a Autora, sem a possibilidade de utilizar os recursos financeiros disponibilizados em suas contas bancárias, incorrerá em falta grave ao contrato de concessão firmado com a Agência Nacional de Energia Elétrica e não poderá cumprir com o princípio da continuidade do serviço público de distribuição de energia elétrica” (fl. 5).
Acrescenta que o valor cujo bloqueio foi autorizado supera o seu faturamento mensal (estimado pela requerente no montante de R$250.000.000,00 – duzentos e cinquenta milhões de reais), de modo que ensejará a paralisação de suas atividades e causará colapso no sistema de distribuição de energia, com apagões e blecautes. Em relação à decisão monocrática proferida no Agravo de Instrumento, obtempera que a autoridade judicial só levou em consideração a probabilidade do direito sob o enfoque do credor, sem analisar o periculum in mora reverso, o princípio da menor onerosidade, proporcionalidade e razoabilidade, além de precedentes da própria Corte de Justiça que limitam a constrição a 30% da receita da concessionária de energia elétrica.
Requer, ao final, a concessão da medida de contracautela “para que sejam imediatamente suspensos os efeitos da decisão monocrática mov.
10.1, proferida nos autos do agravo de instrumento n.:
0000161-48.2024.8.04.9001, em trâmite perante a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, até o trânsito em julgado da actio, ou, no mínimo, até o julgamento integral de todos os incidentes/recursos pendentes ou ainda até que seja fixado pelo Juízo de primeiro grau, mediante critérios técnicos e objetivos, na forma do entendimento do próprio STJ, percentual do faturamento da Autora para penhora, que viabilize a continuidade da prestação do serviço público essencial, a fim de evitar a ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação à coletividade” (fl. 22).
Convoquei as partes para audiência de conciliação realizada em 16/07/2025, às 14h (fl. 140). A audiência abrangeu tanto o presente feito como a SLS 3615/AM, que envolve as mesmas partes e tem por origem Ação Anulatória de Débito Fiscal.
Na referida audiência, iniciada às 14h07, a requerente apresentou proposta de depósito mensal, para garantia do juízo na ação anulatória, de 3% de sua arrecadação líquida, modificada para R$14.000.000,00 (quatorze milhões de reais) mensais, após os advogados ouvirem a administração da empresa. O Estado do Amazonas, por meio do Procurador-Geral, manifestou originalmente que o valor mensal deveria corresponder a R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), admitindo, posteriormente, reduzir tal montante para R$40.000.000,00 (quarenta milhões de reais).
A requerente teve deferido o pedido para juntada de Nota Técnica, de aditivo ao contrato de concessão e de cópia de Medida Provisória, o que foi feito às fls. 201-233.
É o relatório.
Decido.
Nos termos do art. 4º da Lei n. 8.437/92, “compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”.
O pedido de suspensão constitui incidente processual por meio do qual a pessoa jurídica de direito público ou o Ministério Público buscam a proteção do interesse público contra um provimento jurisdicional que cause grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública.
No que toca à legitimidade para requerer o pedido de suspensão, admite-se, ainda, a postulação pelas pessoas jurídicas de direito privado quando prestadoras de serviço público ou no exercício de função delegada pelo Poder Público, desde que na defesa do interesse público primário, correspondente aos interesses da coletividade como um todo.
De mais a mais, dispõe o § 9º do art. 4º da Lei n. 8.437/1992 que “a suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal”.
Diante desse delineamento legal, é apropriado concluir que a suspensão de liminar e de sentença se destina a impedir a execução provisória de decisão judicial de natureza precária, que cause risco à algum dos bens tutelados pela legislação de regência do pedido suspensivo.
Assim, a suspensão da eficácia pressupõe, em regra, que o título não seja definitivo, valendo conferir, por oportuno, o que diz a doutrina a respeito do tema:
3.4 INADMISSÃO DA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA EM CUMPRIMENTO DEFINITIVO DA SENTENÇA OU EM PROCESSO DE EXECUÇÃO Não é cabível a suspensão de segurança de decisão proferida no processo de execução ou em cumprimento definitivo da sentença, pois o instituto não tem aptidão para sustar a eficácia de ato executivo típico ou atípico inserto na cadeia procedimental executiva.
A sustação da eficácia da decisão judicial só faz sentido quando se está diante da efetivação de uma decisão provisória (processo de sentença de mérito) e não quando se está diante de uma execução definitiva (lastreada em título executivo definitivo judicial ou extrajudicial).
[…]
Não existindo um título executivo definitivo judicial ou extrajudicial é perfeitamente possível que a execução provisória (tutela provisória) de uma decisão judicial (interlocutória, sentença ou acórdão) ainda instável possa ter a sua eficácia suspensa em razão da existência concreta do risco de grave lesão nas hipóteses legalmente permitidas para manuseio do instituto.
Todavia, se o título executivo é definitivo, e, portanto, definitiva é a sua efetivação, não há que se falar em utilização do instituto sob pena de subversão do sistema processual. Não se pode admitir a utilização atípica do pedido de suspensão de liminar e sentença, tal como se fosse um curinga processual nas mãos do Poder Público.
[…]
Observe-se que havendo execução definitiva é natural que a situação jurídica do executado seja de “prejuízo”, pois o que se pretende na execução é satisfazer o direito do exequente às custas do patrimônio do executado, e, até contra a sua vontade. Logo, não é o instituto da suspensão de segurança o remédio adequado para sustar a penhora online de valores do executado sob alegação de “grave lesão à ordem ou à economia pública.”
(Rodrigues, Marcelo Abelha. “Suspensão de segurança: suspensão da execução de decisão judicial contra o Poder Público”, 5ª ed., Indaiatuba, SP. Editora Foco, 2022, p. 48/49) A propósito da questão, colhem-se, ainda, os seguintes precedentes desta Corte:
SUSPENSÃO DE LIMINAR. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA A BAHIATURSA.
ARRESTO DE BENS PARA GARANTIA DE DÍVIDA INCONTROVERSA. SENTENÇA DE MÉRITO TRANSITADA EM JULGADO. ALEGADA LESÃO À ORDEM PÚBLICA E JURÍDICA. DECISÃO PROFERIDA NO ÂMBITO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
NÃO CABIMENTO DO PEDIDO.
- A interpretação conjunta dos §§ 1.º e 9.º do art. 4.º da Lei n.º 8.437/1992 impede a propositura do pedido de suspensão após o trânsito em julgado da ação principal.
- Hipótese em que a decisão cujos efeitos se busca suspender foi proferida no âmbito de execução definitiva.
- Agravo interno desprovido.
(AgInt na SLS n. 2.181/BA, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 16/11/2016, DJe de 6/12/2016).
SUSPENSÃO DE LIMINAR. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERDIÇÃO DE CELAS DE DELEGACIA E OUTRAS MEDIDAS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. TRÂNSITO EM JULGADO. DECISÃO PROFERIDA NO ÂMBITO DA EXECUÇÃO DEFINITIVA. NÃO CABIMENTO DO PEDIDO.
I – A interpretação conjunta dos §§ 1º e 9º do art. 4º da Lei nº 8.437, de 1992, impede a propositura do pedido de suspensão após o trânsito em julgado da ação principal.
II – Hipótese em que a decisão cujos efeitos se busca suspender foi proferida no âmbito de execução definitiva da sentença proferida em ação civil pública.
III – Pedido de suspensão de liminar utilizado como sucedâneo recursal. Agravo regimental desprovido.
(AgRg na SLS n. 1.943/CE, relator Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, julgado em 4/2/2015, DJe de 9/3/2015).
No presente caso, a decisão objeto do presente pedido de suspensão foi proferida em sede de processo de execução por título extrajudicial, cujo objeto (quantia inscrita em dívida ativa) é garantido por presunção legal de liquidez e certeza (art. 3º da Lei 6.830/1980), sendo de todo incabível o pedido de contracautela.
Ainda que pudesse ser superado referido óbice sob a ótica de que a existência de ação anulatória paralela tornaria o título executivo extrajudicial “não definitivo” (sic), de todo modo não seria o caso de ser deferida a SLS, sem prejuízo da RECOMENDAÇÃO a respeito da qual abaixo tratarei. Não há nos autos a efetiva e inequívoca comprovação de lesão concreta aos bens tutelados no art. 4º da Lei 8.437/92.
A requerente apenas juntou cópia da decisão do juízo de primeiro grau, proferida em 26/06/2025, que, em cumprimento à decisão monocrática no Agravo de Instrumento 0000161-48.2024.8.04.9001, determinou o bloqueio de dinheiro via Sisbajud, autorizando uma única repetição após o prazo de quinze dias (fls. 59-60). Consta, inclusive, no item 3 do despacho judicial (fl. 60), que a Fazenda Pública credora deverá ser intimada a se manifestar caso o bloqueio determinado judicialmente seja negativo.
Não há qualquer comprovação de que, da diligência determinada, tenha sido realmente bloqueado qualquer valor (seja na primeira tentativa, seja na reiteração após o decurso do prazo de quinze dias), muito menos qual o valor supostamente constrito e a sua alegada imprescindibilidade para a prática regular da atividade societária da requerente – até porque a requerente protocolou este incidente processual no STJ no dia 1º de julho do corrente ano.
Quanto à desproporcionalidade da decisão que autorizou a penhora de recursos financeiros, por deixar de observar o limite de 30% do faturamento, trata-se de argumentação que diz respeito ao mérito do recurso pendente de julgamento, não sendo passível de análise em pedido de contracautela. Não obstante, ainda é importante mencionar que o Desembargador Relator, na decisão monocrática que se pretende suspender, expressamente indicou que, em julgamento de recurso anterior, o Tribunal de origem não proibiu a realização de novos atos constritivos, assim como que, no contexto do aludido caso concreto, até mesmo se admitiu a devolução de percentual do dinheiro penhorado por meio eletrônico – o que significa que a questão debatida nestes autos encontra-se plenamente apta a ser submetida ao pronunciamento do juízo natural (inclusive na via recursal). Pela relevância, transcrevo a análise feita (fl. 51):
O acórdão no Agravo de Instrumento nº 4005182-81.2018.8.04.0000 não vedou novos atos constritivos, tampouco fixou como limite absoluto a penhora de 30% da dívida. O que se decidiu, conforme as circunstâncias daquele bloqueio específico, foi que a constrição da totalidade de valores depositados comprometeria a continuidade do serviço público. Por isso, o Tribunal determinou a liberação de 70% do valor bloqueado, como forma de compatibilizar o interesse do credor com a preservação da atividade essencial desempenhada pela executada.
Assim, diante do acima exposto, bem como o fato de que nem sequer foi comprovada a efetiva penhora (e o respectivo valor da constrição), fica evidente – e esta é a RECOMENDAÇÃO a que me referi linhas atrás – que tanto o magistrado de primeiro grau como o órgão julgador do TJ poderão examinar até que ponto eventual penhora (se frutífera) deverá ser mantida, ou ainda a sua flexibilização parcial, observando, no ponto, o quanto decidido na SLS 3615.
Neste momento, no entanto, parece prematura qualquer intervenção da Presidência do Superior Tribunal de Justiça para afirmar, prima facie e sem análise específica do bloqueio realizado à luz da situação de momento do caixa da empresa, sobre o impacto no seu funcionamento regular e, por conseguinte, na prestação do serviço público.
Nessa linha, importante observar, ainda, que deferi parcialmente, no âmbito da SLS 3615, medida requerida pela Amazonas Energia com o fim de que, cumpridas determinadas condicionantes, lhe seja garantida a obtenção da certidão positiva de débito tributário com efeitos negativos (art. 206 do CTN). Tal providência – deferida para fins de proteção da ordem pública – permitirá à empresa tornar a receber, entre outros, repasses de recursos de aplicação vinculada, reforço de caixa importante para que seja mantida a prestação do serviço público, sem prejuízo dos esforços que deve desenvolver para buscar a satisfação do seu considerável passível tributário.
Pelo exposto, não conheço o pedido de suspensão, COM RECOMENDAÇÃO.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília, 19 de julho de 2025.
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO Vice-Presidente, no exercício da Presidência
(SLS n. 3.613, Ministro Luis Felipe Salomão, DJEN de 23/07/2025.)