Restrição a compensações tributárias será maior fonte arrecadatória em MP 1303/25
12/06/2025
A Medida Provisória 1303/2025 enviada nesta quarta-feira (11/6) em edição extra do Diário Oficial da União tem como principal impacto de curto prazo a restrição nas compensações tributárias, com receita de R$ 20 bilhões, sendo R$ 10 bilhões já em 2025. As medidas de elevação da alíquota da tributação das bets e da CSLL para instituições de pagamentos também são medidas de impacto neste ano, com ganho estimado superior a R$ 500 milhões.
Outras alternativas de impacto arrecadatório previstas na MP 1303/2025 terão efeitos a partir de 2026. Fora da restrição de compensações tributárias, a maior receita vem da elevação de 15% para 20% na alíquota do Juro sobre Capital Próprio (JCP), com R$ 4,9 bilhões. A revogação da isenção para produtos financeiros isentos terá impacto de R$ 2,6 bilhões, no ano que vem.
Segundo a exposição de motivos da MP, a nova regra de compensação “busca aprimorar o sistema”. Houve identificação de “volume expressivo de compensações baseadas em documentos de arrecadação inexistentes e com utilização de créditos indevidos da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, incompatíveis com as atividades econômicas realizadas pelos contribuintes, prejudicando a arrecadação e o erário público e promovendo desequilíbrios concorrenciais.”
A mudança relacionada às compensações consta no artigo 64 da MP, que prevê que serão consideradas como não declaradas as compensações com base em pagamentos indevidos ou a maior ou, nos casos de PIS e Cofins, “cujo crédito não guarde qualquer relação com a atividade econômica do sujeito passivo”.
A segunda hipótese gera maior preocupação. Isso porque, quando um pedido de compensação é considerado como não declarado, o contribuinte perde o direito de recorrer no âmbito administrativo e, consequentemente discutir a questão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). No caso específico do PIS e da Cofins, há uma grande discussão em torno do que pode ser considerado insumo, gerando créditos das contribuições, por exemplo.
Tributaristas dizem que a possibilidade de a Receita considerar compensações como “não declaradas” com base em um juízo sobre a vinculação do crédito à atividade econômica da empresa é preocupante ao restringir a discussão a um recurso interno. Explicam que a previsão, ao conferir à Receita um poder amplo de desconsiderar unilateralmente compensações que, até então, poderiam ser objeto de análise técnica paritária, cria um ambiente de insegurança.
João Aldinucci, advogado e conselheiro da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), complementa que esse modelo resulta na recusa automática do crédito pela Receita Federal e, por consequência, na inscrição direta em dívida ativa, “com todos os efeitos gravosos que daí decorrem”, disse ao JOTA.
O tema foi tratado em coletiva de imprensa realizada pela Receita Federal nesta quinta-feira (12/6). A sub-secretária Tributação e Contencioso do órgão, Cláudia Pimentel, explicou que será adotado um procedimento operacional específico pela equipe responsável por compensações, com o objetivo de evitar erros na aplicação das novas regras. Segundo ela, são recorrentes os casos de uso abusivo de compensações tributárias por parte de contribuintes, e é esse tipo de situação que será enquadrado como “não declarada”.
Pimentel afirmou ainda que, nos casos em que houver recurso, a análise será feita por uma área distinta dentro da própria Receita, e não pela mesma que realizou o indeferimento inicial. Essa separação interna, disse, garante o direito de defesa do contribuinte, mesmo sem a possibilidade de levar a discussão ao Carf.
“É outra área que vai analisar, não é a mesma que autuou, apesar de ser na própria Receita, e tem o Judiciário. Esse efeito de tirar o direito de defesa não acontece, porque é outra área [de análise]”, disse.
Quanto aos créditos de PIS e Cofins, a secretária esclareceu que a medida provisória trata de créditos presumidos, e não dos créditos ordinários relacionados a insumos. Por essa razão, segundo ela, não se exige análise sobre o enquadramento como insumo ou não. Como exemplo, citou o caso de créditos presumidos utilizados por empresas que não têm relação com o setor a que se destinam, como o uso por companhias alheias à cadeia produtiva de leite.
Compensação de perdas
Outra alteração vista como relevante, e não inteiramente ruim, é a que trata da compensação de perdas em aplicações financeiras. Especialistas apontam que a MP deixa o procedimento mais benéfico aos contribuintes, porém estipula um limite de cinco anos antes inexistente para a compensação.
Com a nova regra, prevista no artigo 3º da MP, os contribuintes podem compensar perdas em aplicações financeiras, como por exemplo as decorrentes de operações em bolsa, com rendimentos de quaisquer outras aplicações financeiras. O advogado Felipe Salomon, sócio do Levy & Salomão Advogados, destaca que antes as perdas só poderiam ser compensadas com operações semelhantes. Por exemplo, perdas decorrentes de investimentos em fundos de investimentos só poderiam ser compensadas com ganhos com fundos.
Um ponto negativo aos contribuintes, por outro lado, foi a previsão de que essas compensações devem ser realizadas em até cinco anos. “O contribuinte teve uma perda patrimonial. Para que ele possa se sujeitar à tributação ele deveria recompor essa perda, independentemente do prazo no qual ele demore a fazer isso”, afirma Salomon.
Risco Sacado
Um ponto passível de judicialização, de acordo com especialistas, é o que prevê a tributação pelo IOF do chamado risco sacado. O termo abrange as operações em que uma empresa cedente antecipa seus recebíveis, como por exemplo vendas feitas a prazo para clientes, junto a uma instituição financeira.
Para tributaristas, a previsão, que consta no Decreto 12.499/25, pode ser questionada judicialmente por considerar o risco sacado como uma operação de crédito sujeita ao IOF. “Não é uma operação de crédito porque o cedente não está captando recursos junto à instituição financeira com obrigação de devolução desses valores”, destaca a advogada Thais Veiga Shingai, do Mannrich e Vasconcelos Advogados.
Hedge
Outro ponto tido como favorável ao contribuinte na MP é o que trata da dedução de resultados de hedge da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. O artigo 48 da norma simplifica o tratamento tributário ao prever que, desde que realizadas a preço de mercado, essas operações podem ser abatidas dos tributos.
Salomon salienta que o dispositivo significa uma simplificação em relação ao regramento anterior, que exigia que o contribuinte comprovasse que o hedge era adequado e necessário. “[O contribuinte] tinha que provar que o que ele estava fazendo para fins de hedge guardava relação com o risco ao qual ele estava exposto”, afirma.
Segundo o tributarista, o tema com frequência chegava ao Carf, que era levado a analisar se a documentação apresentada pelo contribuinte comprovava a regularidade do hedge.
MP deve ser desidratada no Legislativo
O Congresso tem dado sinais cada vez mais fortes de que o governo está em dificuldades para avançar com aumento de impostos. A federação União Brasil-PP, maior grupo de parlamentares do Legislativo, se posicionou totalmente contrário à MP antes mesmo de ela ser enviada na tarde desta quarta-feira (11/6).
Até o momento, porém, a Receita Federal não tem um plano alternativo para manter o nível de arrecadação caso a proposta não avance no Congresso. Questionada sobre o assunto, a subsecretária de Tributação e Contencioso do órgão, Cláudia Pimentel, afirmou à jornalistas que será necessário aguardar a definição do Legislativo para avaliar os próximos passos.
Parlamentares apontam, por exemplo, que tributar as Letra de Crédito do Agronegócio (LCAs) elevará os custos de financiamento do setor, o que teria impacto negativo nos preços dos alimentos.
A pressão dessa bancada, que conta com vários ministérios no governo, não é um movimento só desse grupo. O grau de insatisfação com a elevação de carga tributária defendida pela Fazenda é mais ampla na Câmara dos Deputados, o que fica mais evidente pelo tom cada vez mais incisivo do presidente da Casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).
Apesar de ter segurado a votação de um projeto para sustar o decreto do IOF para ajudar o governo, Motta cada dia fala mais abertamente contra as medidas e sinaliza que a chance de temas como a taxação de produtos financeiros isentos prosperar é baixa.
A visão do Executivo
Tentando rebater a alcunha de “Taxad”, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em audiência na Câmara nesta quarta (11/6) buscou vender a tese de que não está elevando tributos, mas sim corrigindo distorções e fazendo o pessoal “da cobertura” pagar o condomínio. Além disso, mexeu em um vespeiro ao dizer que o agronegócio é “patrocinado pelo governo” por ter R$ 158 bilhões em renúncias declaradas na Dirbi — a nova declaração de incentivos fiscais.
Apesar de falar em negociar com o Congresso e dos sinais de contrariedade, Haddad demonstrou forte convicção no caminho proposto por ele e apresentado ao país após reunião com líderes e os presidentes da Câmara e do Senado. O problema para o ministro e o governo é que o argumento de cobrar do andar de cima aparentemente não está fazendo o mesmo efeito do que o barulho da oposição.
Ainda, no próprio governo e em parlamentares governistas, essa agenda tributária de aumento de impostos da Fazenda também é alvo de grande inquietação. Há preocupações técnicas, como a pressão por um encurtamento da dívida pública que a unificação do IR nas aplicações financeiras em 17,5% pode trazer. O raciocínio é que ela eliminaria a vantagem tributária da renda fixa para quem carrega os títulos por mais tempo. E também políticas, derivadas de uma leitura de que o governo tem pulado de crise em crise fabricadas em casa.
Algumas lideranças já deram recado ao governo de que as propostas não vão avançar.