Para avançar, PLP do devedor contumaz deve seguir ‘onda’ anticrime
04/09/2025
Aprovado pelo Senado nesta terça-feira (2/9), o Projeto de Lei Complementar (PLP) 125/2022, que cria um Código de Defesa dos Contribuintes e regulamenta a figura do devedor contumaz, tem chance de passar na Câmara do Deputados se conseguir se manter na “onda” do discurso anticrime. O tema estava estagnado há meses e ganhou fôlego após a megaoperação “Carbono Oculto”, deflagrada na última semana pela Receita e Polícia Federal.
Dentro dessa lógica, a avaliação da classe política é de que o projeto dificilmente enfrentaria forte resistência, uma vez que trata-se de um tema sensível em ano pré-eleitoral. Para isso, líderes governistas apontam para estratégia de pressionar pela votação em plenário nas próximas semanas. Porém, o futuro do PLP dependerá de como serão as primeiras conversas e a pressão de parlamentares que não simpatizam com o texto, como é o caso do presidente do PP, senador Ciro Nogueira.
O deputado Danilo Forte (União-CE) já pediu a relatoria ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). A tendência é de que o posto fique com Forte, que é relator de outro projeto similar, o PL 15/2024, que tramita na Câmara. A decisão cabe a Motta, que ainda não sinalizou sua decisão.
Texto é bem visto por tributaristas e setores afetados
A aprovação do projeto foi considerada um avanço em termos de redução da sonegação e de diminuição de distorções concorrenciais. A avaliação de tributaristas e do setor é de que o texto delimita melhor o conceito de devedor contumaz e moderniza os mecanismos que promovem a cooperação, a exemplo dos programas de conformidade.
Vicente Braga, presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape) e advogado tributarista, diz que o texto trouxe avanços ao especificar a caracterização do devedor contumaz não só a partir do valor da dívida, mas principalmente pela conduta reiterada. Para ele, a medida é positiva do ponto de vista social para as empresas.
“A partir do momento que coloca uma mira maior no devedor contumaz, ou seja, naquele que age de forma deliberada para não pagar tributo, é possível trazer uma melhor arrecadação para o fisco e também melhorar o tratamento do mercado concorrencial e da livre iniciativa. A Constituição nos dá o dever de pagar o tributo e também nos garante um mercado concorrencial equilibrado. [Garante] que a livre iniciativa seja sempre do privado e que ele tenha a oportunidade de atuar em igualdade de condições com demais”, afirma.
O ponto alto do texto está na mudança de cultura no sentido da cooperação em matéria tributária, algo frequente na experiência internacional, conforme aponta o advogado Leonardo Aguirra de Andrade, sócio de Tributário do escritório Andrade Maia. “Quando o texto prevê uma série de vantagens, bom tratamento, benefícios, celeridade para o bom pagador e para o que se chamou ali de contribuinte cooperativo, o texto vem em linha com o princípio da cooperação que foi inserido na Constituição Federal pela Emenda Constitucional 132, no contexto da reforma tributária do consumo”, afirma.
Players do setor de combustíveis, que é diretamente afetado pela sonegação fiscal, também comemoraram a medida. Para o presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), Emerson Kapaz, o texto que passou pelo Senado traz uma “caracterização muito clara” de quem deve ser considerado como contumaz, evitando que empresas de boa-fé sejam afetadas.
Ainda, Carlo Faccio, diretor do instituto, destaca que por mais que o projeto tenha como foco os tributos federais, o texto dá segurança aos estados para replicarem a medida em relação ao ICMS.
Em aberto
Apesar dos elogios, especialistas também traçam críticas ao texto que passou pelo Senado. A advogada Débora Gasques, professora convidada pelo IBDT e sócia do Barral, Parente e Pinheiro Advogados, destaca que o inciso I do parágrafo 2º do artigo 11 do PLP prevê como um dos critérios para caracterização de inadimplência substancial de tributos a existência de valores em discussão judicial ou administrativa. O dispositivo define como elemento de inadimplência a existência de créditos em âmbito administrativo ou judicial de valor igual ou superior a R$ 15 milhões e correspondente a mais de 100% do patrimônio da companhia.
Para Gasques, esse critério pode “pegar” grandes contribuintes, que possuem valores altos em debate na Justiça ou na esfera administrativa. “Geralmente quem discute não são os sonegadores. Quem discute são os grandes contribuintes, que têm governança e compliance forte. Eles estão discutindo porque não concordam com a interpretação do fisco, e não porque são sonegadores contumazes”, disse.
A advogada Roberta França Porto de Mello, sócia do escritório HMLaw, chama a atenção para o fato de o texto aprovado não estabelecer critérios para identificar os contribuintes bons e cooperativos. Ela também destaca que a figura do devedor contumaz está prevista na legislação ordinária e há, por exemplo, a proibição de que a União realize transações com devedores em situação de contumácia (artigo 5º da Lei 13.988/20).
“Ao Brasil não falta boa legislação já positivada, mas sim a observância e obediência às normas postas, tanto pelo contribuinte quanto pelas Fazendas Públicas. (…) O direito é dinâmico, novas regras podem ser bem-vindas, desde que busquem rigoroso fundamento de validade na Constituição, atendendo, em especial, às garantias e direitos fundamentais nela previstos”, diz.
O texto não chegou a avançar nas propostas de emenda sobre o sistema monofásico nas importações de nafta e outros insumos utilizados na elaboração de gasolina. O tema ganhou mais fôlego depois da operação contra o uso do setor financeiro e de combustíveis para lavagem de dinheiro. Fontes do setor acreditam que o texto ainda pode ser modificado na Câmara dos Deputados para evitar desequilíbrios concorrenciais.