Nem todo o disposto pelo Decreto 10.025 pode ser apontado como um avanço benéfico, principalmente para o contratado.
Em 23 de setembro, o governo publicou o Decreto nº 10.025, que regulamenta a arbitragem na resolução de conflitos que envolvam a administração pública federal,nos setores portuário, rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário, revogando o Decreto nº 8.465, de 2015, que previa o uso desse procedimento somente no setor portuário.
O novo decreto segue o disposto na Lei nº 13.129, de 2015, que reformou a Lei de Arbitragem brasileira pretendendo servir de estímulo ao uso da arbitragem em conflitos que envolvam o poder público. Diante de sua importância, cabe destacar alguns pontos.
Nem todo o disposto pelo Decreto 10.025 pode ser apontado como um avanço benéfico, principalmente para o contratado.
O decreto especifica os direitos patrimoniais disponíveis que podem ser objeto de procedimento arbitral. Assim, de certa forma, regulamenta o disposto na referida Leinº 13.129, de 2015, que trata genericamente sobre a arbitrabilidade do poder público sobre “direitos patrimoniais disponíveis”.
O texto estabelece como direitos disponíveis as questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, aos cálculos de indenizações e ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes, incluídos a incidência das penalidades e o seu cálculo.
Dispõe também sobre os parâmetros e regras gerais do procedimento arbitral.Quanto aos parâmetros estabelecidos, previu-se a possibilidade do uso de arbitragem institucional ou ad hoc, dando-se, entretanto, preferência para a primeira que ocorrerá perante as câmaras arbitrais previamente credenciadas pela Advocacia-Geral da União (AGU).
No que concerne às regras gerais do procedimento, outra dúvida sanada é quanto à confidencialidade arbitral. Essa questão é um grande ponto de debate principalmente frente à suposta contraposição entre a confidencialidade e o princípio de publicidade e a accountability impostos à administração. Assim, diante dessa polêmica, o decreto determina que a publicidade é medida que se impõe nas arbitragens com o poder público, salvo em casos excepcionais de preservação de segredo industrial ou comercial e aqueles casos considerados sigilosos pela própria legislação brasileira.
Ainda sobre a publicidade, não define, porém, o modo como se dará, nem tampouco regula seus limites ou determina de quem seria a competência em âmbito federal para determinar as informações que seriam submetidas à publicidade ou não.
No mais, também merece atenção o prazo de 24 meses estabelecido para o proferimento de sentença arbitral, podendo esse ser prorrogado até o limite máximo de 48 meses. Tal previsão expressa ressalta a busca que faz o decreto pela celeridade como modo a contribuir para o fim do excesso da judicialização e para a atratividade do investidor estrangeiro no setor regulado de infraestrutura no país.
Contudo, a imposição de um prazo limite exíguo não basta para atrair novos investidores, principalmente quando consideramos recursos estrangeiros. O grande atrativo virá da boa escolha das câmaras arbitrais, dos árbitros que comporão o tribunal arbitral e principalmente da garantia de boas decisões – o que raramente se consegue com uma limitação temporal.
Ademais, nem todo o disposto pelo Decreto nº 10.025, de 2019, pode ser apontado como um avanço benéfico, principalmente para o contratado, pois ele prevê que as custas do procedimento arbitral e da produção de prova pericial serão antecipadas por esse. Essa determinação pode vir a prejudicar o ente privado, principalmente aqueles que se encontrarem em uma situação financeira frágil, na medida em que somente se ressarcirão de tais valores ao final do procedimento por meio da expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor.
Entende-se que o ideal nesse ponto não seria meramente impor tal dever de adiantar as custas do procedimento arbitral unilateralmente ao contratado, haja vista que há aqui a transferência de um grande ônus à parte privada. A melhor medida, portanto, seria prever que as partes compartilhassem tais custas, o que inclusive poderia fomentar ainda mais o uso do procedimento arbitral, já que aparte privada não se veria totalmente prejudicada.
No mais, tenha-se em consideração que é dever da administração, ao celebrar contratos com cláusula arbitral, prever eventuais despesas que esses contratos possam lhe ocasionar futuramente, de tal modo que a alocação de certa quantia para tais situações deveria ser medida a ser seguida pelo ente público.
Em suma, pode-se dizer que o Decreto nº 10.025, de 2019, surge no contexto do incentivo ao uso dos meios alternativos de litigar que escapem à morosidade e à burocracia típicas do Poder Judiciário.
No mais, importante ressaltar que algumas disposições ainda pendem de esclarecimento e regulamentação, o que exigirá o esforço conjunto da administração pública, do ente privado e de toda a comunidade jurídica, a fim de que as dúvidas sejam sanadas e para que se assegure que a arbitragem seja uma opção válida e benéfica a todos os interessados para dirimir os conflitos contratuais no setor de infraestrutura brasileiro. Não há nada melhor para atrair o capital estrangeiro do que dar clareza às regras do jogo.
FONTE: Valor Econômico – Por Ane Elisa Perez – 12 de novembro de 2019