Fachin é visto como equilibrado em matéria tributária, mas não deve priorizar tema
01/10/2025
Ministro Luiz Edson Fachin chega ao posto mais alto do Poder Judiciário sendo conhecido pela discrição, tecnicidade e entendimentos ponderados
Recém-empossado presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Edson Fachin é conhecido por seu perfil discreto, típico daquele presente nos magistrados que somente se manifestam nos autos. A perspectiva é de que sua gestão à frente da Corte nos próximos dois anos não dê tanta ênfase em casos tributários quanto a antiga presidência do ministro Luís Roberto Barroso. Em matéria tributária, vale dizer, os entendimentos adotados pelo novo presidente são equilibrados, tendo percentual parecido de decisões pró-fisco e pró-contribuintes nos últimos anos.
A avaliação de tributaristas ouvidos pelo JOTA é de que os entendimentos adotados por Fachin apontam para a manutenção de rigor técnico e equilíbrio na análise dos processos, independentemente das partes envolvidas.
Um exemplo de posicionamento favorável ao fisco foi dado no julgamento do Tema 517. Na ocasião, venceu o posicionamento do ministro para permitir que estados de destino cobrem o diferencial de alíquota do ICMS devido por sociedades optantes pelo Simples Nacional na entrada de mercadorias em seus territórios. O voto do relator permite a imposição tributária independentemente da posição da empresa na cadeia produtiva ou da possibilidade de compensação dos créditos (RE 970821).
Por outro lado, uma decisão do ministro favorável aos contribuintes se deu no Tema 207. O magistrado abriu divergência para reconhecer que as isenções de contribuições e impostos de exportação previstas na Constituição Federal valem para as empresas do Simples. Para ele, a simplificação na cobrança de tributos proporcionada pelo regime não permite que a regra constitucional seja desrespeitada para evitar vantagens supostamente indevidas. Seu voto prevaleceu (RE 598.468).
A gestão
A expectativa é que a gestão de Fachin priorize pautas de direitos humanos, indígenas e de minorias frente às disputas mais empresariais. Com isso, representantes dos contribuintes esperam certo arrefecimento em relação às discussões tributárias que aguardam definição da Corte.
Do ponto de vista de impacto econômico, os três maiores casos da LDO de 2025 que estão pendentes de análise são:
Tema 79 (RE 565886) – ministros decidirão se é necessária a edição de lei complementar para que seja cobrado o PIS/Cofins-Importação. O julgamento, que ainda não foi iniciado, tem impacto estimado de R$ 325 bilhões aos cofres públicos em cinco anos.
Tema 1067 (RE 1233096) – discute a inclusão do PIS e da Cofins em suas próprias bases de cálculo, o chamado “cálculo por dentro”. Trata-se de uma “tese filhote” da “tese do século”. O julgamento ainda não foi iniciado, e tem impacto estimado de R$ 65,7 bilhões em cinco anos.
Tema 118 (RE 592616) – Outra “tese filhote”, que trata do ISS na base de cálculo do PIS/Cofins. O placar está em 2×2 com cenário favorável aos contribuintes , mas ainda não há voto do ministro Edson Fachin. O impacto estimado no caso é de R$ 35,4 bilhões em cinco anos.
A Associação Nacional dos Contribuintes de Tributos (ANCT) espera, ainda, que o novo presidente paute casos relevantes como o que trata do caráter confiscatório de multa isolada em obrigação acessória. A matéria é discutida no Tema 487 (RE 640452) e já foi suspensa quatro vezes por pedidos de vista, além de pedidos de destaque posteriormente cancelados.
Outro caso esperado por contribuintes discute a possibilidade de tributação, no Brasil, do lucro de controladas e coligadas no exterior. O placar está em 3×1 a favor da cobrança de IRPJ e CSLL nestes casos, mas o julgamento está suspenso por um pedido de vista feito pelo ministro Luiz Fux feito em junho.
O tema é discutido no RE 870214 que, embora não tramite na sistemática de repercussão geral, é acompanhado de perto pelo governo devido ao relevante precedente a ser formado a partir do julgamento. A Receita calcula um risco fiscal de R$ 22 bilhões em caso de derrota, de acordo com dados da LDO de 2025. Fontes próximas ao tema, porém, estimam que o impacto possa ser maior.
O olhar da advocacia
A percepção da tecnicidade é reforçada por advogados com atuação nos tribunais superiores. Um levantamento do escritório Mauler Advogados indica que o magistrado votou desfavorável ao fisco em 47,5% das matérias tributárias apreciadas pelo STF de 2020 a 2025, considerando 79 casos com repercussão geral e 22 ações de controle concentrado.
“O ministro não hesita em divergir da maioria quando entende que o contribuinte tem razão, o que ocorreu com muito mais frequência do que a situação contrária [divergir da maioria para julgar a favor do fisco]”, observou o advogado Igor Mauler.
Um exemplo disso aconteceu recentemente no julgamento do Tema 1108 da repercussão geral. O Plenário decidiu que as reduções no benefício do programa Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra), que permite que empresas exportadoras se creditem de PIS e Cofins, só devem observar a anterioridade nonagesimal. Fachin ficou vencido ao abrir divergência defendendo que a anterioridade geral também se aplicaria por entender que os resíduos tributários alvo do programa não se restringem a PIS e Cofins. Foi acompanhado por André Mendonça e Nunes Marques.
Outro levantamento, feito pela Advocacia Dias de Souza, chegou a resultados semelhantes em ações de controle concentrado ou com repercussão geral que tiveram mérito apreciado desde 2019. A pesquisa constatou que o ministro foi favorável ao fisco em 50% dos casos, levando em consideração os processos em que Fachin foi relator ou liderou a divergência.
O tributarista Daniel Szelbracikowski, sócio do escritório, considera Fachin “um dos magistrados mais técnicos do Supremo, o que inclui suas posições em matéria tributária”. “Como o tribunal tem sido, recentemente, mais fiscalista, acolhendo muitas teses deste governo, essa neutralidade pode ser mal percebida como uma posição pró-contribuinte, quando, na verdade, é apenas um reflexo da técnica e da deferência que o magistrado tem à doutrina”, disse.
Ariane Guimarães, sócia da área de tributário do escritório Mattos Filho, faz coro a essa análise da atuação do magistrado. “O ministro não apresenta predileção por qualquer lado, construindo suas posições sempre a partir das decisões pretéritas e da linha teórica que melhor garanta prevalência aos princípios”.
“Vale destacar, também, que ele não cede à retórica, precisando de evidências robustas para embasar sua posição”, afirma a advogada. Em termos de dimensão numérica, ela cita que nos últimos três anos, há uma ligeira maioria de votos do ministro em favor dos contribuintes, considerando as 60 decisões proferidas em repercussão geral e em controle concentrado.
Para Roberta França Porto de Mello, sócia do HMLaw, pouco importa se os posicionamentos do novo presidente do STF são favoráveis ao fisco ou aos contribuintes. Mello destaca dois atributos que aparecem na atuação do ministro quando se trata de matéria tributária. “Suas decisões são técnicas e fundamentadas na aplicação do Direito, ou, em outras palavras, não buscam fora do sistema do direito positivo argumentos para justificar seu posicionamento. E há evidente preocupação com a segurança jurídica manifestada pela observância e busca da aplicação do princípio da anterioridade tributária”, argumentou a advogada e autora do livro “Limites ao Argumento Econômico na Produção de Normas Judiciárias pelo STF em Controle Concentrado e Repercussão Geral”.
Alguns entendimentos do ministro:
Limite da coisa julgada em matéria tributária
A Corte discutiu decisão com trânsito que permitiu o não pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Por unanimidade, o Plenário entendeu que contribuintes podem ser cobrados em caso de mudança de entendimento pelo STF.
Ao discutir a modulação dos efeitos, prevaleceu entendimento que a cobrança poderia ser feita logo após o novo entendimento. Fachin ficou vencido ao defender que a exigência só seria válida depois da publicação da ata do julgamento da controvérsia (RE 949297 – Tema 881).
Modulação da “tese do século”
Neste caso, o STF analisou pedido da Fazenda Nacional para que a tese que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins só tivesse efeitos a partir do julgamento. O tribunal acatou, por maioria, o pedido.
Fachin ficou vencido ao lado de Rosa Weber e Marco Aurélio. Ele entendeu que tal entendimento “propiciaria que as consequências jurídicas fossem preteridas em relação às financeiras, o que contraria uma das ideias essenciais do Estado Democrático de Direito” (ED no RE 574706 – Tema 69).
Aproveitamento de créditos ao mudar sistemática de PIS/Cofins
A Corte debateu se na transição da sistemática cumulativa da contribuição para o PIS e da Cofins para a não-cumulativa poderiam ser aproveitados créditos calculados com base nos valores dos bens e mercadorias em estoque.
O tribunal decidiu, por unanimidade, que a impossibilidade do creditamento não viola o princípio da não-cumulatividade. Fachin era o relator do processo (RE 587108 – Tema 179).
Mateus Mello
Repórter
Fernanda Valente
Editora-assistente