No STF, AGU tenta evitar vitórias aos contribuintes nas “teses filhotes”
22/09/2025
ADC 98 requer a constitucionalidade da inclusão, na base do PIS/Cofins, do ISS, do crédito presumido de ICMS e das próprias contribuições
A ação proposta pela Advocacia-Geral da União (AGU) no Supremo Tribunal Federal (STF) para debater a base de cálculo do PIS e da Cofins é vista por especialistas como uma tentativa de reduzir as perdas arrecadatórias em julgamentos derivados da “Tese do Século” ( Tema 69 ), que retirou o ICMS da base do PIS/Cofins, e influenciar casos ainda em tramitação.
Apresentada na última semana, a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 98, sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia, pede a declaração de constitucionalidade da inclusão, na base de cálculo do PIS e da Cofins, do ISS, do crédito presumido de ICMS e das próprias contribuições, a fim de solucionar controvérsias atualmente discutidas nos Temas 118 , 843 e 1067 da repercussão geral, respectivamente. Em caso de decisão pró-contribuinte nos três temas, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 estima um potencial impacto econômico de R$ 117,6 bilhões.
Na ADC, a AGU sustenta que a exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins foi um caso específico, em razão das peculiaridades do tributo. Para o órgão, a decisão não deve ser ampliada. “O sistema tributário nacional permite a incidência de tributo sobre tributo”, consta na petição inicial, acrescentando que exceções só podem ocorrer por previsão expressa da Constituição ou por decisão pontual do STF. O órgão também pediu medida cautelar para suspender todos os processos que tratam dessas teses até a decisão final pelo Supremo.
Segundo a AGU, o objetivo é dar um freio à multiplicidade de ações ajuizadas desde a proclamação da tese do século. Dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) apresentados na petição inicial apontam que há, hoje, mais de 113 mil processos em andamento que questionam a base de cálculo do PIS/Cofins.
Segundo o advogado Breno Ferreira Martins Vasconcelos, do Mannrich e Vasconcelos Advogados, a ADC possibilita que as teses discutidas nos Temas 118, 843 e 1067 sejam julgadas de forma concentrada, o que daria início a um novo debate. “Essa estratégia repete a tentativa já feita pela União com o ajuizamento da ADC 18 [na qual a União solicitou a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins] anos após o reconhecimento da repercussão geral no Tema 69”, explicou.
Isso poderia causar uma reviravolta especialmente no Tema 118 (ISS sobre PIS/Cofins), cujo cenário atual é favorável às empresas. Com o início de um novo processo, não seriam considerados os votos de três ministros aposentados (Celso de Mello, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski) que defenderam a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins no plenário virtual.
Após pedido de destaque, o caso passou a ser discutido no plenário físico, onde formou-se um placar de 2×2 em agosto de 2024, com os votos dos ministros Mello, André Mendonça, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Com os demais posicionamentos computados, a expectativa é de que se forme um placar de 6×5 contra a tributação, o que causaria um impacto de R$ 35,4 bilhões à União, segundo a LDO, a depender da modulação de efeitos definida. Não há, porém, expectativa para o caso voltar à pauta.
Contudo, para Heron Charneski, sócio-fundador do escritório Charneski Advogados e patrono nos Temas 118 e 1067, o Supremo deve seguir a lógica adotada na ADC 18, julgada prejudicada após a decisão no Tema 69. “Os casos que já tiveram julgamento iniciado teriam precedência de julgamento em relação a essa nova ação”, apontou.
O advogado Luiz Gustavo Bichara, do escritório Bichara Advogados, aponta que a ação vai contra princípios como consensualidade e desjudicialização pregados pela própria AGU. “A AGU tenta uma manobra com o indisfarçável propósito de manipular o quórum julgador. Além de ser um desrespeito para com o STF, é um ato que propala insegurança jurídica”, afirmou. Contudo, diz ter segurança “na estabilidade da jurisprudência constitucional”.
Sobre o mérito, Charneski considera a premissa da União equivocada. A Fazenda quer o reconhecimento de que a receita ou faturamento das empresas, base de cálculo do PIS/Cofins, devem ser consideradas sem a exclusão das despesas incorridas, inclusive as tributárias, o que, para ele, vai de encontro à jurisprudência. “Não entendo que a jurisprudência tenha dito que não pode cobrar o tributo por dentro; na minha visão podem ser cobrados. Mas o STF definiu no Tema 69 que o PIS/Cofins tem como base de cálculo receita e faturamento, não as despesas tributárias”.
Em nota enviada ao JOTA , a AGU nega desrespeito aos precedentes, e defende que “é legítima a mudança de votos dos ministros em exercício até a proclamação do resultado”.
Leia o que diz a AGU:
A Ação Direta de Constitucionalidade (ADC), proposta pela Advocacia-Geral da União, tem como objetivo principal pacificar o ambiente de negócios no País e conferir segurança jurídica aos contribuintes e ao Fisco. Há dezenas de ações tratando sobre o mesmo tema de fundo, que causam significativa insegurança jurídica. Ao buscar a chancela do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade da inclusão de valores na base de cálculo do PIS e da Cofins, a ADC funcionará como um instrumento de pacificação. Pois, ao ser declarada a constitucionalidade dos dispositivos, a decisão do STF terá efeito vinculante para todas as instâncias do Poder Judiciário e para a Administração Pública, pondo fim às discussões sobre o tema.
Em nenhum momento, a proposição da ADC desrespeita precedentes judiciais. Sobre os temas que serão alcançados pela decisão, a Advocacia-Geral da União (AGU) excluiu expressamente o Tema 69 de repercussão geral, já decidido e transitado em julgado.
Em relação aos demais casos, muitos sequer chegaram ainda ao STF ou tiveram seus julgamentos iniciados. Os casos que ainda não foram finalizados estão submetidos ao Plenário do STF, que é soberano para dar a palavra final. É legítima a mudança de votos dos ministros em exercício até a proclamação do resultado, assim como a superação de entendimentos anteriores. Submeter tema de tamanha relevância para o STF, a fim que de que possa decidir de forma conjunta e uniforme, é postura legítima que respeita as regras vigentes, a dinâmica de julgamentos da Suprema Corte e o sistema de precedentes judiciais.
Katarina Moraes
Repórter