PROJETO DE LEI N.º , DE 2025
(Do Sr. PAULO ABI-ACKEL)
Proíbe que as declarações prestadas
por colaboradores, no âmbito de acordos de
colaboração premiada, antes do trânsito em
julgado da condenação criminal proferida em
desfavor do delatado, possam dar ensejo à
instauração de processo ou procedimento
fiscal para a determinação e exigência de
créditos tributários e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1.º Esta Lei proíbe que as declarações prestadas por
colaboradores, no âmbito de acordos de colaboração premiada, possam dar
ensejo à instauração de processo ou procedimento fiscal para a determinação
e exigência de créditos tributários e dá outras providências.
Art. 2.º Nos termos do art. 106, inciso I, da Lei n.º 5.172, de 25
de outubro de 1966, as declarações prestadas por colaborador, no âmbito de
acordo de colaboração premiada, não são válidas para a caracterização de
omissão de receita ou de rendimento por parte dos investigados e não se
prestam para comprovação, por via indireta, da ocorrência do fato gerador do
Imposto de Renda Pessoa Física, consubstanciada na aquisição de
disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer
natureza.
Art. 3.º A Lei n.º 13.869, de 5 de setembro de 2019 – Lei de
Abuso de Autoridade, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 27-A:
“Art. 27-A. Requisitar a instauração ou instaurar processo ou
procedimento administrativo fiscal em desfavor de alguém que tenha sido
implicado em declarações prestadas por colaborador, no âmbito de acordo de
colaboração premiada, sem provas autônomas de corroboração ou deixar de
impedir o seu irregular trâmite.
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”
(NR)
Art. 4.º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
A teor do art. 43 do Código Tributário Nacional, o aspecto
material da regra matriz de incidência do Imposto sobre a Renda é a aquisição
ou disponibilidade de renda ou acréscimos patrimoniais, que independem da
denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou
nacionalidade da fonte, nem da origem e da forma de percepção.
Nas hipóteses em que esses ganhos não são pessoalmente
declarados pelos contribuintes, as Autoridades Fiscais podem atuar de ofício e
instaurar processos ou procedimentos administrativos fiscais para a
determinação e a exigência desses créditos tributários.
Em que pese a possibilidade de atuação de ofício das
autoridades administrativas, verifica-se que inúmeras apurações são
instauradas a partir do simples e açodado compartilhamento de informações
por parte dos juízos criminais que, a pedido do Ministério Público, procederam
à homologação de acordos de colaboração premiada.
Trata-se de um evidente contrassenso: o legislador,
reconhecendo a pertinência da orientação jurisprudencial firmada no âmbito do
Supremo Tribunal Federal, promoveu a inclusão do inciso II do §16 do artigo 4º
da Lei 12.850/2013, com a determinação de que o recebimento da denúncia
não pode se basear somente em relatos obtidos em colaboração premiada.
E isso porque, como aceito pela totalidade da doutrina e
jurisprudência, a colaboração premiada não é prova, mas “meio de obtenção
de provas” tanto da materialidade quanto da autoria dos delitos noticiados
pelos colaboradores.
Necessária, portanto, a compatibilização dos procedimentos a
partir das consequências jurídicas da colaboração, não obstante a
independência relativas das instâncias pela e administrativa, devem guardar
coerência sob pena de as mesmas declarações não serem suficientes para o
recebimento da denúncia, mas suficientes para a imposição de penalidades
administrativas mais graves que as que seriam aplicadas na hipótese de
condenação criminal transitada em julgada – a exemplo da multa por
sonegação – o que gera uma profunda insegurança jurídica e fere de morte o
princípio constitucional do estado ou presunção de inocência (art. 5.º, inciso
LVII).
Demais disso e prejuízo do já citado inciso II do §16 do artigo
4º da Lei 12.850/2013,, com o advento da Lei n.º 12.850, de 2 de agosto de
2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal,
os meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento
criminal, o instituto da colaboração premiada recebeu uma atenção especial do
legislador.
Com efeito, foram-lhe dedicados originalmente três dispositivos
específicos (arts. 4.º, 5.º e 6.º de aludido diploma legal). Por se tornar uma
fonte permanente de abusos e de maus usos, em 2019 foram acrescentados
os arts. 3.º-A, 3.º-B e 3.º-C à Lei das Organizações Criminosas, com novas
exigências para a entabulação e validação de tais acordos.
Desse feixe de regras, destaca-se o previsto no § 4.º do art.
3.º-C acrescentado à lei, que dispõe que “incumbe à defesa instruir a proposta
de colaboração e os anexos com os fatos adequadamente descritos, com todas
as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração” e
o § 16 do art. 4. º em sua redação original, que já estabelecia que “nenhuma
sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações
de agente colaborador”.
Como se nota, nossa legislação exige a corroboração, por
outros meios de prova, das declarações prestadas pelo corréu colaborador, as
quais, por si só, não são suficientes para sustentar o reconhecimento da
responsabilidade criminal do corréu delatado.
E o juízo de corroboração de provas é externo, o que significa
que os elementos corroborativos de prova devem ser provenientes de fonte
independentes e autônomas, é dizer, alheias às declarações do corréu
colaborador.
Com base nessa percepção e para evitar excessos, doutrina e
jurisprudência pátrias sedimentaram o entendimento de que o Estado não
poderá utilizar-se da denominada “corroboração recíproca ou cruzada”, isto é,
não poderá impor condenação ao réu pelo fato de contra ele existir,
unicamente, depoimento de agente colaborador que tenha sido confirmado, tão
somente, por outros delatores.
O eminente professor e advogado Gustavo Badaró adverte, por
exemplo:
“A título de conclusão, podem ser formulados os seguintes
enunciados: A regra do § 16 do art. 4º da Lei 12.850/13 aplica-se a todo e
qualquer regime jurídico que preveja a delação premiada. O § 16 do art. 4º da
Lei 12.850/13, ao não admitir a condenação baseada exclusivamente nas
declarações do delator, implica uma limitação ao livre convencimento, como
técnica de prova legal negativa.
É insuficiente para o fim de corroboração exigido pelo § 16 do
art. 4º da Lei 12.850/13 que o elemento de confirmação de uma delação
premiada seja outra delação premiada, de um diverso delator, ainda que
ambas tenham conteúdo concordante. Caso o juiz fundamente uma
condenação apenas com base em declarações do delator, terá sido contrariado
o § 16 do art. 4º da Lei 12.850/13 (…)”.
Essas observações foram colacionadas pelo então Ministro
Celso de Mello no voto que proferiu no julgamento da PET 5.700 pelo STF, que
passou a ser reconhecido como um “manual completo sobre delação
premiada”.
Diante de todas as balizas legais, doutrinárias e
jurisprudenciais abordadas, nota-se que a instauração de procedimentos
administrativos fiscais para a apuração e a cobrança de Imposto de Renda
Pessoa Física de pessoas delatadas por colaboradores premiados, antes do
trânsito em julgado da respectiva condenação criminal – na qual se exige,
nunca é demais lembrar, a corroboração da delação por provas autônomas e
independentes – por Autoridades Tributárias, abre brecha para abusos de toda
ordem.
O objetivo dessa proposta não é outro senão o de impedir a
prática de abusos e injustiças diversas pelo Fisco.
Por todo o exposto e diante da grande importância da matéria
proposta, solicito o apoio dos nobres Pares para a sua aprovação. Em resumo,
proíbe se a Receita Federal de abrir procedimentos de cobrança com base
exclusivamente em colaborações premiadas quando divorciadas da necessária
corroboração por provas independentes.
Sala das Sessões, em 10 de junho de 2025.
Deputado PAULO ABI-ACKEL