PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº , DE 2024
(Da Sra. Greyce Elias)
Dispõe sobre o Regime Específico de Tributação
da Aviação Regional – RETAR.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1° Esta lei dispõe sobre o regime específico de tributação aplicável à
aviação regional, na forma do art. 156-A, § 6°, inciso IV da Constituição Federal,
criando o Regime Específico de Tributação da Aviação Regional – RETAR.
Art. 2° Para os fins de que trata esta lei complementar, considera-se como
aviação regional os serviços aéreos que não se qualificam como serviços aéreos
regulares, tais como:
I – serviços aéreos de operação aeromédica;
II – serviços aéreos de voos de transporte de cargas e passageiros; e
III – demais serviços prestados por empresas de serviços aéreos que não se
qualificam como serviços aéreos regulares.
§ 1º Para os fins de que trata esta lei complementar, também consideram-se
aviação regional, não se aplicando o disposto no caput deste artigo:
I – os serviços aéreos regulares prestados na região de abrangência da
Amazônia Legal a que se refere o art. 2° da Lei Complementar N° 124, de 03
de janeiro de 2007; e
II – serviços aéreos regulares prestados em aeroportos cuja movimentação
anual de passageiros não supere 500 (quatrocentos) mil.
§ 2º O RETAR será aplicável às pessoas jurídicas prestadoras dos serviços a
que se refere o caput deste artigo e às operações a que se refere o § 1º deste
artigo.
§ 3° Fica garantida a tolerância no aumento de até 30% na movimentação
anual de passageiros em aeroportos que, anteriormente à entrada em vigor
desta lei complementar, não superavam a movimentação referida no inciso II
do § 1° deste artigo.
Art. 3° A alíquota do regime específico de tributação da aviação regional –
RETAR, a que se refere o art. 156-A, § 6°, inciso IV da Constituição Federal, será de
4% (quatro por cento).
§ 1° Ao regime específico de tributação de que trata esta lei complementar:
I – não se aplica o disposto no art. 156-A, § 1°, incisos V a VII da Constituição
Federal; e
II – será garantido o pleno aproveitamento de créditos decorrentes de
operações em que as empresas abrangidas pelo RETAR sejam adquirentes
de bem, direito ou serviço, nos moldes do art. 156-A, § 1°, inciso VIII da
Constituição Federal.
§ 2° Constituem bens, direitos, serviços e preços públicos adquiridos as
empresas abrangidas pelo RETAR, sujeitos ao aproveitamento de créditos
decorrentes de suas aquisições, dentre outros:
I – combustíveis e demais insumos de propulsão;
II – estruturas e serviços de abrigo de aeronaves;
III – arrendamento ou locação de aeronaves;
IV – peças e ferramentas aeronáuticas;
V – terceirização de mão-de-obra;
VI – oficinas e serviços de manutenção aeronáutica;
VII – tarifas de navegação aérea; e
VII – demais bens, direitos ou serviços necessários às atividades referidas no
art. 2° desta lei complementar.
Art. 4° O RETAR será não cumulativo e não integrará sua própria base de
cálculo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante
cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bens, direitos,
serviços e preços públicos, incidindo a alíquota a que se refere o art. 3° desta lei
complementar sobre o valor adicionado pelo contribuinte nas operações descritas no
art. 2° desta lei complementar.
Art. 5° Os serviços aéreos não abrangidos pelo art. 2° desta lei complementar
serão tributadas às alíquotas regulares de bens e serviços do imposto de que trata o
art. 156-A e a contribuição de que trata o art. 195, V, ambos da Constituição Federal,
na forma da legislação de regência aplicável ao tema.
Art. 6° Ressalvado o disposto nesta lei complementar e na legislação
específica, aplica-se ao RETAR a legislação complementar referente às normas
gerais de recolhimento, creditamento, contencioso administrativo fiscal e distribuição
da arrecadação, dentre outras regulamentações destinadas à operacionalizar a
Emenda Constitucional N° 132, de 20 de dezembro de 2023.
Art. 7° Esta lei complementar não prejudica a definição regulatória setorial dos
serviços de aviação civil, infraestrutura aeroportuária, aplicação de políticas de
subsídios à aviação, dentre outras políticas públicas destinadas à aviação regional.
Art. 8° Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação,
produzindo efeitos a partir de 1° de janeiro de 2033.
JUSTIFICAÇÃO
A aviação é um segmento econômico único e de interesse nacional. São
diversas gamas de fornecedores, órgãos reguladores com os quais se deve lidar,
estratégias comerciais, enfim. Não há dúvidas que o segmento é de extrema
relevância para o país e deve ser observado com uma visão de estratégia e
planejamento de política pública.
Contudo, os olhos da aviação sempre se voltaram para as grandes companhias
aéreas, que executam o conhecido e desgastado serviço de venda de bilhete de
passagem por preços dinâmicos. Desgastado porque são frequentes as reclamações,
atrasos em voos, insuficiência de rotas para locais remotos do país, como os locais
regionais e a região Norte, de forma que cidades cuja pujância econômica não se
verifica são praticamente desatendidas por transporte aéreo regular.
Dessa maneira, cabem aos Estados, por exemplo, a imposição de mecanismos
de política pública, como a redução do ICMS incidente no combustível de aviação, sob
a contrapartida de se suplantar a região com voos locais. Alguns outros Estados, como
Minas Gerais, instituíram programas próprios de subsídio à aviação regional, intitulado
de Voe Minas, por meio do qual o Estado fretava um avião sob preço fixo e autorizava
a venda do bilhete para suportar o preço da viagem.
Algumas iniciativas foram exitosas, outras nem tanto. A principal questão é que
existem capitais e cidades de importância no país que não possuem voos regulares ou
regionais em horários aprazíveis para os cidadãos, de forma que o debate acerca da
política pública de aviação no país já está desgastado. Pode-se concluir, portanto, que
a aviação no país é um problema sistêmico.
Regiões como a Norte, mesmo com razoável antecedência, não conseguem
passagens a preços módicos e os cidadãos ficam sujeitos a transportes ineficientes
para grandes distâncias. Dessa maneira, é urgente estruturar uma política pública
de incentivo à aviação regional no país. Entende-se que a reforma tributária foi o
primeiro passo para tal questão, propiciando um regime favorecido de tributação
para a aviação regional.
Óbvio que o debate não se situa apenas na esfera tributária, pois há
arrendamentos de aeronaves, preços de querosene de aviação, folhas de salários,
encargos, tarifas e taxas aeroportuárias, poder de compra da população e dolarização
de custos. Entretanto, é óbvio que o fator tributário impactará enormemente a
disponibilidade de voos.
O que se percebe na atual conjuntura do transporte aéreo brasileiro é a gigante
oferta de voos entre capitais da região centro-sul do país e um hiato de cobertura na
região Norte e localidades regionais do Brasil. Nem se fala quanto à disponibilidade
de voos em regiões que não as de capitais, a não ser nos grandes centros
econômicos.
É importante lembrar, contudo, que as empresas aéreas são regidas pelas leis
de mercado, pelo alcance à melhor produtividade, eficiência de processos, busca por
melhores rotas, menor inadimplência, judicialização, dentre outros aspectos
importantes.
Ou seja, não é deficiência apenas das empresas aéreas a falta de voos e
adequados serviços em diversas regiões do país. Ora, colocar uma rota aérea entre
localidades depende de estudos de demanda, adequação aeroportuária e poder de
compra das populações locais.
Não decorre, assim, de mera vontade da companhia, ainda mais quando se
considera que em localidades regionais o acesso aos insumos é dificultoso e, portanto,
mais caro, como é fácil de constatar na diferença entre preços de querosene no
centro-sul do país e aqueles praticados na região Norte. Dessa maneira, o debate
perpassa capacidade econômica do consumidor, acesso aos fornecedores, logística,
capital humano e infraestrutura aeroportuária.
Em face deste contexto, deve o Poder Público raciocinar um conjunto de
políticas públicas destinadas a fomentar a aviação regional, como taxas de juros
equalizadas, subsídios às linhas regionais e propiciar diferenciação tributária entre
rotas regulares e superavitárias e os serviços de aviação regional, como ordena o
atual texto tributário constitucional.
Inúmeras empreitadas podem ser consideradas serviços de aviação regional,
como a locação e fretamento de aeronaves para temporada de pesca, remoção
aeromédica de enfermos de locais remotos para cidades com infraestrutura hospitalar,
aeronaves destinadas a monitoramento e combate a incêndio, remoção de
trabalhadores de empresas de petrolíferas para as bases de exporação e produção, as
próprias linhas e rotas regionais, monitoramento de fronteiras, transportes de carga e
inúmeros outros serviços.
Quer dizer, a aviação brasileira não é composta apenas de pontes aéreas
entre grandes centros urbanos. Como se observa, a aviação regional desempenha
serviços de interesse e relevância nacional, que devem ser considerados como
prioritários pela modelagem da política pública, inclusive a tributária, razão pela qual o
projeto em epígrafe é de extrema relevância.
Na Reforma Tributária recém-aprovada, conceituou-se, em resumo, dois
impostos, o Imposto sobre Bens e Serviços e a Contribuição sobre Bens e Serviços.
Os princípios da reforma são neutralidade fiscal, isonomia, não classificação fiscal de
produtos e serviços, garantia ao creditamento, base de cálculo neutra, legislação única
e não concessão de benefícios fiscais de qualquer sorte.
Contudo, como demanda a construção do texto, setores cuja peculiariedade
reclama tratamento diferenciado obtiveram olhos atentos do legislador constituinte,
como é a aviação regional. Por essas razões, já no texto enviado pela Câmara dos
Deputados ao Senado Federal, referente à PEC 45/2019, a aviação regional, em
virtude de clara intenção do legislador, obteve regime específico de tributação.
Nas palavras do relator da reforma, por ocasião do Grupo de Trabalho para
construir o texto de referência a ser levado ao plenário da Câmara dos Deputados, o
ideal seria a imposição de um IVA moderno, com alíquota única aplicável a todos os
bens e serviços, haja vista que a experiência comparada demonstra que a
classificação fiscal e a diferenciação de produtos e serviços para fins tributários é
inefetiva, ressalvados casos muito bem justificados.
Além disso, uma alíquota com muitas excessões, por óbvio, aumenta a alíquota
base do imposto “regular”1
. E uma dessas alíquotas a obterem a diferenciação
seria aquela aplicada à aviação regional, justamente em virtude de sua
pertinência para áreas remotas e localidades de difícil acesso por outros meios
de locomoção, como são os locais nos quais são executados os serviços
enunciados nesta proposta.
1 “Nesse contexto, a diretriz é que se permita a adoção de uma alíquota padrão, permitindo-se outras
alíquotas para bens e serviços específicos. Dessa forma, adota-se um sistema eficiente, fundamentado
nas melhores práticas dos IVAs internacionais, mantendo-se a simplificação e a segurança jurídica e
afastando o contencioso sobre a correta classificação fiscal de diversos bens e serviços.”
Dessa forma, o texto aprovado pela Câmara dos Deputados já contemplava o
termo “aviação regional” no rol de serviços excetuados das alíquotas regulares e que
poderiam obter diferenciações. No Senado, de outra sorte, a relatoria pertinente
contemplou, além da aviação regional, o setor aéreo, genericamente, mas sempre
mencionado que a aviação regional deverá possuir tratamento mais benéfico
que outros regimes específicos no segmento do transporte.
Ou seja, a intenção do legislador é cristalina: fomentar a aviação em locais
remotos, seja nos serviços já executados, seja na criação de um regime propício
para que novas empresas regionais se proliferem no país. Tal questão, constante
no relatório do Senador Eduardo Braga, por óbvio, refletiu no texto final da proposta,
de forma que tanto transporte aéreo e aviação regional possuíam regimes específicos,
ao teor dos arts. 156-A, § 6°, incisos IV e VII, não esquecendo, contudo, que a
aviação regional obtenha alíquota mais favorecida do que a de um regime já
diferenciado.
É inconteste, assim, que a aviação regional não se destina a fomentar linhas
aéreas regulares entre grandes centros ou aqueles nos quais a demanda pelo serviço
já atinge um pico orgânico e sustentável. Assim, a modalidade regional de aviação é
aquela em locais distantes, remotos, inacessíveis, pouco atrativos e nos quais
os sistemas corriqueiros de transporte não são percebidos.
Dessa forma, é justamente essa aviação que se deve e pretende fomentar.
Ambas as casas quando da apreciação da reforma concluíram que o modelo regional
deve possuir políticas públicas diferenciadas, a fim de alcançar sua alavancagem.
Prosseguindo na tramitação constitucional da reforma, quando o texto do Senado
retornou à Câmara, ocorreu uma nova mudança no texto no que tange a aviação.
Na casa iniciadora, foram realizadas diversas alterações no âmbito dos regimes
específicos. Isso porque, de acordo com a relatoria e referendado pelo plenário da
casa, inúmeros segmentos foram retirados dos regimes específicos de tributação, sob
a justificativa de que alguns podem se sujeitar a regimes normais de apuração, sem a
necessidade de tratamento diferenciado.
Nas palavras da relatoria:
“É importante compreender que esses regimes preveem exceções ao regime geral do
IBS/CBS, podendo alterar alíquotas e bases de cálculo, e até impor limitações ao
creditamento geral e irrestrito. Não representam, por si só, tratamento mais benéfico.
Como exceções, somente devem ser previstos para serviços e produtos que possuam
peculiaridades que dificultam ou não recomendam a apuração tradicional a partir do
confronto de débitos e créditos, como é o caso de serviços financeiros, operações com
bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos.
A inclusão de setores que, por sua natureza, podem se sujeitar ao regime normal de
apuração, causará complexidades e ineficiências, podendo causar novos litígios,
justamente o que se pretende evitar com o novo sistema. Pode ainda resultar, a
contrario sensu, em tratamento mais gravoso que as regras normais caso seja mal
calibrado.”
Ou seja, além de não ser conveniente e oportuno, o legislador compreendeu
que os serviços aéreos podem se sujeitar regularmente às alíquotas ordinárias
do IBS e da CBS, não havendo justificativa plausível e razoável para que possuam
tratamento diferenciado. Por essas razões, retirou-se os serviços de transporte aéreo
do regime específico.
Entretanto, para a aviação regional, manteve-se o regime específico de
tributação para este segmento, justamente em virtude da sua importância para
localidades remotas, como o Norte do país, mas também para cidades pouco
movimentadas e aeroportos regionais.
Como se nota da conversão em norma da PEC 45/2019, foi garantido o regime
específico de tributação para a aviação regional, de forma que, para o segmento,
pode-se atribuir alíquota diferenciada e outros mecanismos que assegurem a
continuidade e melhoria dos serviços de aviação regional.
Da forma já citada, os serviços de aviação regional englobam o transporte
na Amazônia Legal do país, transporte aeromédico em áreas remotas, remoção
de indígenas de distritos sanitários para tratamento destes, viabiliza a
exploração petrolífera em bases de produção de óleo e gás, atua no combate ao
desmatamento e desintrusão de áreas e, ainda, realiza o transporte aéreo para
localidades de difícil acesso e economicamente não atrativas.
No projeto em questão, visa-se conceituar a aviação regional de modo a
continuar fomentando o transporte aéreo em regiões remotas, mas sem esquecer de
localidades consideradas regionais e de outras formas de locomoção. A proposta em
questão considera como regional qualquer transporte aéreo realizado na região norte,
regular ou não.
Além disso, os serviços dispostos na cabeça do art. 2° da proposição, para fins
tributários, também serão considerados regionais para esta lei complementar. Por fim,
também obtém essa alcunha os serviços regulares desempenhados em aeroportos
cuja movimentação não supera 400 mil pessoas/ano. Dessa forma, os calibres
técnicos aqui propostos são destinados para efetivar a intenção do legislador
quando da elaboração da PEC 45/2019 e de sua conversão na EC 132/2023.
A alíquota proposta destina-se a manter o que o segmento da aviação já
adimple atualmente, referente aos 3,65% de PIS/COFINS. O mecanismo de
creditamento é de suma importância porque a aviação regional possui fornecedores
quanto aos quais o RETAR não integrar a própria base de cálculo e garantir a
tributação apenas sobre o valor adicionado é extremamente relevante, já que o
principal insumo do segmento é o querosene de aviação.
Óbvio que além deste pode-se constatar a folha de salários, tarifas de
navegação, hangaragem, peças e ferramentas, dentre outros. Quer dizer, a cadeia da
aviação regional não é curta e as companhias mais produtivas do setor, usualmente,
tercerizam atividades no-core, mantendo-se apenas aquelas que são essenciais para
a empresa e impostas pela legislação.
É imperativo que o RETAR não integre sua própria base de cálculo, garanta o
creditamento nas operações e incida apenas sobre o valor adicionado, sob pena de se
prejudicar um segmento quase inexistente no país e em recém desenvolvimento.
Desse modo, propõe-se a regulamentação do Regime Específico de Tributação
da Aviação Regional em questão para, de acordo com a intenção do legislador,
fomentar o transporte regional em locais pouco atrativos e garantir a prestação
de serviços de interesse e segurança nacional, desenvolvimento regional, saúde
pública, combate ao meio ambiente e exploração regular de recursos naturais.
Nesse sentido, rogo o apoio dos pares para a aprovação da proposta.
Deputada GREYCE ELIAS
AUTORA