IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE (IRRF). ALÍQUOTA. REMESSA DE VALORES. DISTINÇÃO ENTRE JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO (JCP) E DIVIDENDOS. TRATADO INTERNACIONAL BRASIL-ESPANHA. DECRETO N. 76.975, DE 02/01/1976. ARTIGO 9º DA LEI Nº 9.249, DE 26/12/1995. ATO DECLARATÓRIO INTERPRETATIVO SRF 4/06. INCIDÊNCIA SOBRE DIVIDENDOS. INAPLICABILIDADE.
1.Trata-se de apelação em mandado de segurança com o objetivo de afastar a exigência do recolhimento do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre o pagamento de juros sobre capital próprio (JCP), devidos à sócia majoritária da impetrante, com sede na Espanha, calculado à alíquota de 15% em 2015, com base na Lei nº 9.249/95 e de 18% a partir de 2016, nos termos da Medida Provisória n. 694/15 e assegurar o direito de recolhimento do IRRF à alíquota de 10%, nos termos do art. 10 do Tratado Internacional para evitar dupla tributação e evasão fiscal, e do item 3 de seu Protocolo Anexo, firmados entre o Brasil e a Espanha, tal como dispõe o art. 1º do Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 4/06.
2. O cerne da questão cinge-se à análise da distinção entre juros sobre capital próprio (JCP) e dividendos, para fins de definição da alíquota que compõe o elemento quantificativo da hipótese de incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).
3. No direito interno, consta do artigo 9º da Lei nº 9.249, de 26/12/1995, que à pessoa jurídica é dado deduzir, da apuração do lucro real, os juros pagos aos sócios e aos acionistas a título de remuneração sobre o capital próprio, bem assim que o pagamento dos JCP submete-se à alíquota de 15% (quinze por cento) a título do IRRF por ocasião do efetivo crédito ao beneficiário, que se condiciona à existência de lucro.
4. A tese defendida pela apelante, com a qual não se pode concordar, fundamenta-se no entendimento de que os JCP e os dividendos têm a mesma essência. E que seriam, portanto, ambos dividendos, pois compõem a distribuição de lucros da sociedade e visam remunerar o capital dos acionistas.
5. O tema foi enfrentado pela E. Segunda Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.373.438, da relatoria do Eminente Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, sob os auspícios da sistemática dos repetitivos, prevista no artigo 503-C do CPC de 1973 (em 11/06/2014, DJe 17/06/2014), que concluiu que a natureza jurídica do instituto JCP tem caráter sui generis.
6. Os juros pagos aos acionistas pelo investimento de capital próprio têm a mesma natureza dos juros pagos a terceiros, razão pela qual devem ser escriturados sob o crivo de despesas financeiras para a companhia e como receita financeira para os beneficiários, conforme se depreende do art. 29, da Instrução Normativa SRF nº 11/96.
7. No que toca à inclusão dos JCP na base de cálculo das contribuições do PIS e da COFINS o C. STF manifestou-se no julgamento do Recurso Especial n. 1.200.492 (em 14/10/2015, DJe 22/02/2016), sob o regime dos repetitivos, previsto no artigo 503-C do CPC de 1973, na forma do entendimento do Eminente Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, prestigiando o entendimento já externado por aquela C. Corte quanto à diferença entre o regime dos dividendos e dos JCP, merecendo destaque, do voto de Sua Excelência, o quadro comparativo entre os dois institutos:
“LUCROS OU DIVIDENDOS:
– Em relação ao beneficiário: não estão sujeitos ao imposto de renda na fonte pagadora nem integram a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário (art. 10, da Lei n. 9.249/95).
– Em relação à pessoa jurídica que paga: não são dedutíveis do lucro real (base de cálculo do imposto de renda).
– Obedecem necessariamente ao disposto no art. 202, da Lei n. 6.404/76 (dividendo obrigatório).
– Têm limite máximo fixado apenas no estatuto social ou, no silêncio deste, o limite dos lucros não destinados nos termos dos arts. 193 a 197 da Lei n. 6.404/76.
– Estão condicionados apenas à existência de lucros (arts. 198 e 202, da Lei n. 6.404/76).
JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO:
– Em relação ao beneficiário: estão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte na data do pagamento do crédito ao beneficiário (art. 9º, §2º, da Lei n. 9.249/95).
– Em relação à pessoa jurídica que paga: quando pagos são dedutíveis do lucro real (art. 9º, caput, da Lei n. 9.249/95).
– Podem, facultativamente, integrar o valor dos dividendos para efeito de a sociedade obedecer à regra do dividendo obrigatório (art. 202, da Lei n. 6.404/76).’
– Têm como limite máximo a variação da TJLP (art. 9º, caput, da Lei n. 9.249/95).
– Estão condicionados à existência de lucros no dobro do valor dos juros a serem pagos ou creditados (art. 9º, §1º, da Lei n. 9.249/95).(reprodução da tabela comparativa)”.
8. Os artigos 10 e 11 do tratado internacional, consistente na “Convenção entre a República Federativa do Brasil e o Estado Espanhol Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre a Renda”, firmada em 14/11/1974, aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n. 62, de 07/08/1975, promulgada no Brasil por meio do Decreto n. 76.975, de 02/01/1975 (sic), publicada em 02/01/1976, bem assim do item 3 do Protocolo Anexo, não contêm elementos que possam infirmar o regramento tributário nacional quanto aos JCP e aos dividendos.
9. A interpretação do disposto pelo artigo 98 do CTN determina que a eventual existência de antinomia entre o direito tributário interno e a norma do tratado internacional deve ser resolvida segundo a regra da especialidade.
10. Não se disputa o reconhecimento do caráter obrigatório do Tratado Brasil-Espanha no direito interno, bem assim da observância do princípio lex specialis derrogat generalis (lei especial derroga a geral), que autoriza a não aplicação da norma interna, a qual deve ceder lugar ao comando inserido em tratado internacional do qual o Brasil é parte, em homenagem ao princípio da força vinculante dos tratados e convenções internacionais.
11. Não há, contudo, discrepância entre o direito interno e o tratado internacional, que não confere disciplina especial ao tema. Evidenciando-se, portanto, ausência de conflito, quanto à disciplina dos dividendos e do JCP, entre o disposto pelo artigo 9º da Lei nº 9.249, de 26/12/1995, e pelos artigos 10 e 11 do Tratado, e pelo item 3 de seu Protocolo Anexo, celebrados entre o Brasil e a Espanha.
12. Ausente, outrossim, previsão legal da incidência da limitação pleiteada, descabe ao Poder Judiciário criar tal situação tributária por interpretação analógica de Lei, Decreto ou Tratado, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.
13. Negado provimento à apelação. TRF 3, Apel. 0024416-21.2015.4.03.6100, julg. 28/09/2017.